Advogado de Asia Bibi fugiu do Paquistão mas a cristã ilibada de blasfémia não poderá fazê-lo

Governo assina "capitulação histórica" com islamistas radicais para pôr fim à onda de protestos contra a sentença do Supremo Tribunal. Cristã tinha sido condenada à morte em 2010.

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As filhas de Asia Bibi com uma foto da mãe diante da casa da família, no Punjab,As filhas de Asia Bibi com uma foto da mãe diante da casa da família, no Punjab Reuters/Adrees Latif,Reuters/Adrees Latif
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Assim que a decisão foi conhecida os apoiantes do TLP saíram à rua LUSA/SHAZAIB AKBER
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Sexta-feira foi o dia das maiores manifestações contra a ordem para libertar Bibi LUSA/BILAWAL ARBAB

Três dias depois do anúncio da ordem judicial para libertar Asia Bibi, paquistanesa cristã que tinha sido condenada à morte por blasfémia, o seu advogado já fugiu do país com medo de ser morto. Voltará, garante, para a defender. Vai ser preciso: para acalmar os protestos dos radicais islamistas, o Governo assinou um acordo em que promete não se opor a recursos contra a sentença do Supremo Tribunal, ao mesmo tempo que se se empenhará em impedir que ela saia para o exílio.

“Eles nem sequer conseguem implementar uma ordem do mais alto tribunal”, lamentou-se o advogado, Saif Mulook, citado pela agência de notícias AFP. “Preciso de ficar vivo porque ainda tenho de continuar a batalha legal de Asia Bibi”, explicou. Em declarações ao jornal paquistanês Express Tribune, disse que voltará ao país para defender a sua cliente, mas precisa que o Governo lhe dê protecção.

Mulook descreve como “doloroso” o acordo entretanto assinado pelo ministro dos Assuntos Religioso do Governo do Movimento pela Justiça do Paquistão (PTI), Noorul Haq Qadri, e por Pir Afzal Qadri, “número dois” do Tehreek-e-Labbaik Pakistan (TLP), partido radical fundado em 2017. Durante três dias, o TLP promoveu protestos violentos e apelou à morte dos juízes do Supremo e à revolta dos militares. Agora, todos os manifestantes detidos entre quarta e sexta-feira serão libertados e os protestos vão parar.

“O Governo aceitou quase tudo o que pedíamos”, disse Afzal Qadri ao jornal The Guardian. E se recuar, assegura, “podemos sair outra vez [para a rua]”.

Segundo o documento assinado, Islamabad não fará nada para impedir petições contra a libertação de Bibi e vai incluir o seu nome da chamada “lista de controlo de saída” (ELC), impedindo-a de abandonar o Paquistão quando for libertada, o que deverá acontecer nos próximos dias. “Colocar Asia Bibi na ELC é como assinar a sua ordem de execução”, diz Wilson Chowdry, da Associação Cristã Anglo-paquistanesa, ouvido pelo diário britânico.

"Inimigos do Estado"

O primeiro-ministro, Imran Khan, defendeu a sentença do Supremo Tribunal e sugeriu que o seu Governo iria pôr fim aos protestos promovidos por “inimigos do Estado”. Três dias de manifestações com carros e carrinhas incendiados (estragos avaliados em 800 mil euros), estradas bloqueadas e um clima de medo instalado em várias cidades parecem ter chegado para mudar de ideias. O acordo assinado pelo Governo “é uma capitulação histórica”, escreveu no Twitter o colunista paquistanês Mosharraf Zaidi.

Assim que a ordem de libertação de Asia Bibi foi conhecida, a sua própria família admitiu que nunca poderiam permanecer no país (actualmente o marido e os cinco filhos já mal saem de casa). Mulook disse à BBC que ela teria de ir para um país ocidental, depois de todas as tentativas de assassínio que sofreu – a última aconteceu o mês passado, quando dois homens tentaram matá-la na prisão onde está encarcerada há mais de oito anos.

Bibi foi condenada à morte em 2010 por blasfémia depois de ter bebido água de um copo que era usado por mulheres muçulmanas. Na discussão que se seguiu, essas mulheres disseram-lhe que tinha de se converter ao islão (para que o copo deixasse de ser impuro) e alegam que Bibi fez comentários ofensivos sobre Maomé. Horas depois foi espancada em sua casa: os atacantes afirmaram que confessou ter cometido blasfémia e a polícia acabou por detê-la.

Na decisão divulgada esta semana, o Supremo Tribunal considera que o caso se baseou em provas fraquíssimas e que a alegada confissão aconteceu diante de uma multidão “que ameaçava matá-la”. Nas primeiras reacções à notícia, Bibi mostrou-se incrédula. “Vão deixar-me sair? A sério?”, afirmou a cristã que sempre se afirmou inocente. “É o dia mais feliz da minha vida”, disse o seu advogado, antes de concluir que era “impossível” ficar no Paquistão sem temer pela vida.

Nas últimas décadas, a pequena minoria cristã do país, 1,6% da população, tornou-se no principal alvo da lei da blasfémia. Segundo os críticos, esta lei do tempo dos britânicos é frequentemente usada para obter vingança em disputas pessoais.

Ao mesmo tempo, a comunidade cristã é alvo de repetidos ataques: desde 1990, pelo menos 65 cristãos foram assassinados no Paquistão depois der terem alegadamente cometido blasfémia. O mesmo aconteceu aos responsáveis que defenderam Bibi: Salman Taseer, governador da sua província, Punjab, foi morto pelo guarda-costas em 2011; no mesmo ano foi assassinado o então ministro das Minorias, Shahbaz Bhatti.

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