Como é ser médico humanitário em zonas de conflito?

Médico português Gustavo Carona apresenta a 3 de Novembro no Porto o livro O mundo precisa de saber, em que relata as suas experiências em missões humanitárias em zonas de conflito.

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O mundo precisa de saber é o título do livro que o médico português Gustavo Carona apresenta no sábado, 3 de Novembro, no Porto, uma compilação das primeiras missões humanitárias que realizou na República Democrática do Congo, Paquistão, Afeganistão e Síria.

Em entrevista à Lusa, o anestesista de 38 anos contou como uma lesão o afastou do desporto e o levou para a medicina, área pela qual se apaixonou. Depois, uma viagem a Moçambique fê-lo perceber que era "obrigatório usar os saberes onde mais são precisos", começando aí um trajecto de nove anos de missões humanitárias por zonas de conflitos mundiais.

Foi na antiga colónia portuguesa que abriu "os olhos para o que se passava no terreno" e conheceu algumas pessoas dos Médicos Sem Fronteiras. Percebendo que os seus "sonhos passavam por aí", pouco depois juntava-se à organização e estreava-se na primeira missão humanitária, no Congo, em 2009.

Depois dessa missão surgiu a necessidade da escrita, não só por vontade de dizer às pessoas o que se passava ali, mas porque durante uma viagem de dois meses pelo continente africano leu, numa revista turística, que "houve uma guerra [no Congo]", mas que já tinha acabado.

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"Quando vi aquilo comecei a chorar. Uma publicação tão fidedigna, lida em todos os países, e escrevem uma coisa destas, quando tinha acabado de sair de lá e tinha visto o sofrimento de tanta gente, as consequências do conflito em milhões de pessoas. Aquilo foi uma estaca que entrou no meu coração. Como é possível ser esta a opinião que passa para o mundo?", questionou.

Depois de seis meses em África, quando regressa ao seu dia-a-dia sente "uma certa revolta com o consumismo e a superficialidade", algo que tentou combater por sentir que não tem "direito de fazer julgamentos morais ou críticas invasivas em relação ao que as pessoas fazem".

"É difícil sair desse prisma, de ser convicto nos ideais, sem atacar o estilo de vida das outras pessoas que são diferentes. Entrar num shopping e ver pessoas a entrar em lojas de marca, quando passei tanto tempo a ver crianças com a mesma t-shirt todos os dias e a gola a passar o umbigo. Ver tanta pobreza e sofrimento e sentir que estamos preocupados em comprar o último modelo de um telemóvel. É difícil sentirmo-nos bem com este desequilíbrio e injustiças."

As 1001 cartas de Mossul

A apresentação de O mundo precisa de saber, marcada para a Faculdade Medicina do Porto, inclui também o lançamento do livro 1001 cartas de Mossul, uma resposta dos iraquianos à sua obra 1001 cartas para Mossul, lançada em 2017.

A ideia desta "carta" surgiu como "uma espécie de epifania" quando soube da possibilidade de ir para o antigo bastião do Estado Islâmico no norte do Iraque, tendo ficado emocionado quando leu os "relatos das passagens de médicos pelo local" e achou ser "o momento de pôr em prática algo" que diz sentir.

"Eu levo na minha mochila muito mais que os meus conhecimentos, levo todas as pessoas que acreditam naquilo que eu faço e nos ideais humanitários que eu acredito. Compilar este livro era uma forma de materializar este sentimento. Há muita gente que acredita que este é o caminho, o da mistura de povos, pacificação, enviar cuidados de saúde em vez de enviar mais bombas e, por isso, comecei a desenvolver a ideia", explicou.

Não podendo levar comida, medicamentos ou roupa, Gustavo optou por levar as palavras, transportando consigo algo que ajudasse as pessoas a sentirem que "fazem parte de um mundo humanitário inatingível à maioria" e que tivesse "um impacto positivo na população do norte do Iraque que estava e está a sofrer o inimaginável".

Neste momento, o médico anestesista está a escrever o segundo livro original, que vai relatar duas passagens pela República Centro Africana, a missão em Mossul e um regresso ao Congo, de onde chegou há cerca de um mês. No próximo mês parte para o Burundi e tem também agendadas missões no Iémen, em Fevereiro, e em Abril segue para a Faixa de Gaza.