Tudo em família
Um inteligentíssimo exercício na arte do fantástico que pega nas convenções do género para criar uma inquietante meditação sobre a família
Habitualmente, sempre que um filme conta uma história sobre cultos e seitas é para mostrar como é difícil sair deles. Aaron Moorhead e Justin Benson são perversos: mostram como é difícil sair deles mas mesmo assim põem os seus heróis (que eles próprios interpretam) a regressar ao Campo Arcadia que os acolheu quando ficaram órfãos e do qual conseguiram escapar ainda adolescentes. E regressam para encontrar tudo na mesma, apesar dos dez anos entretanto decorridos, e para perceberem com mais precisão o que exactamente acontece naquela zona de desorientação algures no deserto americano.
O que começa por haver de interessante na terceira longa-metragem de Moorhead e Benson é o modo como O Interminável é uma exploração das tensões e das lógicas familiares. Aaron e Justin, os dois irmãos que cresceram nesta Arcádia, não vêem o futuro da mesma maneira: um (o mais velho) quer deixar o passado para trás custe o que custar, outro (o mais novo) quer de algum modo reencontrá-lo. Essa tensão encontra o seu fulcro no regresso (forçado pelo mais novo) a uma “família” que abandonaram, o pequeno acampamento que (viremos a perceber) está bem no centro da twilight zone que o filme pacientemente vai desvendando. E, como sempre nestes “regressos a casa”, as coisas não são o que parecia ser.
O Interminável podia ser um filme sobre o processo de entrada na idade adulta, mas prefere ser sobre o momento exacto em que essa transição ocorre e no modo como nunca a deixamos para trás. Fá-lo no âmbito de uma narrativa que (como já sugeríamos atrás) tem muito de Twilight Zone e outro tanto do novo fantástico americano de filmes como A Bruxa, Vai Seguir-te, Foge ou Primer. A cereja no topo do bolo? Benson e Moorhead fizeram-no por tuta e meia – interpretam os papéis principais, realizam e montam a meias, um escreve e o outro filma – e em nenhum momento sentimos que O Interminável seja um filme de amigos. Bem pelo contrário: fervilha aqui mais invenção, inteligência, mais atenção às personagens, mais capacidade de envolver o espectador do que muita fita de terror de grande orçamento ou muito blockbuster feito por comité. Ficamos com vontade de ver o que Benson e Moorhead fizeram antes (é a terceira longa) mas, sobretudo, de ver o que vão fazer a seguir.