“Brexit”: Estudo prevê quebra de 26% nas exportações para o Reino Unido
Análise aos efeitos sobre as empresas portuguesas da saída do Reino Unido da UE, promovido pelo CIP, estima impacto negativo entre 0,5% e 1% do PIB nacional. Santos Silva garante que está tudo a ser feito para uma saída com acordo.
O divórcio entre Reino Unido e União Europeia não será nada auspicioso para as exportações de Portugal para o território britânico. De acordo com um estudo sobre as consequências do “Brexit” para a economia e empresas portuguesas, promovido pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP), estima-se uma quebra no volume de exportações até 26%. O sector automóvel deverá ser um dos mais prejudicados pela saída britânica que, aponta o documento apresentado esta quarta-feira em Lisboa, terá um impacto negativo entre os 0,5% e 1% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
“A alteração do quadro de relacionamento entre o Reino Unido e UE encerra um risco forte para as exportações de bens e serviços portuguesas, que pode resultar em reduções potenciais das exportações globais entre cerca de 15% e 26%, dependendo do tipo de relacionamento comercial futuro que vier a ser estabelecido”, lê-se no estudo realizado pela Ernst & Young – Augusto Mateus & Associados (EY-AM&A) e intitulado “Brexit”: As consequências para a economia e as empresas portuguesas.
Embora sublinhando que as “magnitudes destes efeitos devem ser lidas com cautela”, o documento relembra que o Reino Unido é o 4.º mercado de destino das exportações portuguesas de bens e o 1.º das exportações de serviços. Nesse sentido, “resulta claro um sinal de que os efeitos podem ser muito significativos”.
Relativamente aos bens, prevê-se um impacto nocivo mais acentuado nas regiões do Alto Minho, Cávado, Ave e Tâmega e Sousa, seguidos de Trás-os-Montes, Área Metropolitana do Porto e Beiras e Serra da Estrela. Quanto aos serviços, calcula-se um risco mais elevado para a Área Metropolitana de Lisboa, Algarve e Madeira e, num segundo plano, Área Metropolitana do Porto e Coimbra.
Os autores do projecto avaliaram as potenciais consequências do “Brexit” por produtos e sectores e concluíram que há três particularmente “sensíveis” ao abandono britânico do clube europeu: o sector dos produtos informáticos, electrónicos e ópticos; o sector de equipamentos eléctricos; e o sector dos veículos automóveis. Quanto aos sectores considerados mais “resilientes” ao “Brexit”, o estudo destaca a silvicultura, a exploração florestal, a pesca, entre outros.
Para além disso, há que ter em conta os efeitos da saída do Reino Unido da UE no turismo britânico em Portugal. Dando o exemplo dos “cerca de dois milhões de hóspedes britânicos que passaram por Portugal” em 2016, o documento refere que “a quebra do poder de compra dos ingleses é uma ameaça, dado o impacto na dinâmica turística nacional que tem beneficiado a economia portuguesa e que tem contribuído para que o turismo tenha vindo a assumir uma importância crescente”.
O estudo estima ainda reduções de fluxos de investimento directo estrangeiro para Portugal entre 0,5% e 1,9% e reduções de remessas de emigrantes entre 0,8% a 3,2%. Tudo somado, calcula-se um impacto negativo entre os 0,5% e 1% do PIB nacional.
“‘Brexit’ menos clean e mais hard”
Na linha da frente dos efeitos nocivos da saída agendada para o dia 29 de Março de 2019 estão países como a República da Irlanda, a Bélgica, Chipre, a Holanda ou Malta – para além de Noruega, esta fora da UE. Portugal faz parte do grupo de Estados-membros cujo impacto económico do “Brexit” é catalogado de “intermédio” ou de “segunda linha”.
Uma posição que não deve, no entanto, servir para aligeirar o debate sobre as consequências do divórcio entre Londres e Bruxelas na economia portuguesa. Chris Sainty, embaixador do Reino Unido em Portugal, afirma que só o facto de Portugal “ter exportado mais do dobro para o Reino Unido” do que aquilo que o Reino Unido exportou para território português, faz com que “o impacto da saída seja muito pior para Portugal” do que para os britânicos.
Já o economista e coordenador do estudo Augusto Mateus, defende que é impossível o “Brexit” ser “menos clean (limpo) e mais hard (duro)” do que o previsto e estima que todas as partes envolvidas – Reino Unido, União Europeia como um todo e cada um dos Estados-membros – sofrerão perdas significativas durante “pelo menos a próxima década”. “O “Brexit” é e será sempre um jogo de soma zero, não há como fugir a esta realidade”, sublinhou.
Nesse sentido, Augusto Mateus sugere, como linhas de actuação fundamentais para Portugal poder apaziguar os efeitos nocivos do “Brexit”, a “proactividade na valorização do Reino Unido como parceiro económico de Portugal” e a orientação para “objectivos claros de diversificação do relacionamento económico” de Portugal com outros mercados e sectores.
Acordo é “essencial”
À lista dos desafios futuros para as empresas portuguesas, onde se inclui o “Brexit”, o presidente do CIP, António Saraiva, acrescenta ainda a multiplicação recente de políticas e programas económicos proteccionistas, a guerra comercial entre Estados Unidos e a China e as consequências do impasse na aprovação do orçamento italiano pela Comissão Europeia. Realidades que, considera, perspectivam “um desaceleramento do fluxo de trocas comerciais” que, por sua vez, “terá um maior impacto em economias menos competitivas”, como a portuguesa.
Saraiva pede, por isso, que o Governo português “desenvolva estratégias, em termos de políticas públicas” para “mitigar e corrigir” os efeitos destes fenómenos, e diz que, no caso do “Brexit”, é “essencial chegar a um acordo de saída” com o executivo britânico.
Augusto Santos Silva garante que “um cenário de não-acordo” é a “pior alternativa” para Portugal e para a União. O ministro dos Negócios Estrangeiros falou no encerramento da apresentação do estudo e referiu que só não foi assinado um compromisso com Theresa May na última cimeira europeia porque a primeira-ministra e o seu governo “não estavam preparados para o fazer” devido a “questões políticas internas”.
“A melhor maneira de gerir o ‘Brexit’ é através de um acordo de saída”, assegurou o chefe da diplomacia portuguesa. “Um acordo que reduza tudo o que puder reduzir em matéria de tarifas, em matéria de barreiras não alfandegárias e que promova tudo o que poder promover em matéria de circulação de serviços e de abertura de mercados públicos. É esse é o acordo que queremos”, esclareceu.
Santos Silva destacou ainda a complexidade do processo negocial – até pela importância das dimensões política e securitária, que diz andarem de mão dada com a dimensão económica – e lembrou que Portugal não está sozinho na negociação, já que faz parte de um grupo que inclui mais 26 Estados-membros, representado pelo francês Michel Barnier.
“Não tenho dúvidas de que alcançaria muito facilmente um acordo bilateral com minha contraparte britânica, caso tivesse mandatado para o fazer”, afirmou o ministro socialista, que prefere destacar, no entanto, o que já foi acordado com May: a protecção dos direitos dos cidadãos portugueses a residir no Reino Unido: a verdadeira “preocupação número um” do Ministério dos Negócios Estrangeiros.