Irlanda reelege Presidente e descriminaliza blasfémia
Eleitores reconduziram Michael Higgins e votaram favoravelmente pela supressão do crime de blasfémia da Constituição irlandesa.
As autoridades eleitorais da República da Irlanda revelaram no sábado à noite os resultados da dupla votação de sexta-feira: Michael D. Higgins foi reeleito Presidente e o delito de blasfémia vai ser retirado da Constituição.
Numa jornada eleitoral marcada pela participação reduzida — votaram apenas 44% dos 3,2 milhões de cidadãos registados — Higgins derrotou o empresário Peter Casey em todas as circunscrições, alcançando uma votação total de 56%, contra os 23% do seu adversário.
Os restantes quatro candidatos — incluindo a eurodeputada Liadh Ni Riada, do Sinn Féin — ficaram abaixo dos 7% de votos.
Higgins, antigo ministro da Cultura e Presidente desde 2011, foi apoiado nestas eleições pelo Fine Gael, Fianna Fáil, Partido Trabalhista, entre outros partidos tradicionais. Terá agora pela frente mais sete anos de mandato, num cargo maioritariamente simbólico e com poderes limitados.
No seu discurso de vitória, no Castelo de Dublin, Higgins assumiu ter ficado “profundamente comovido” com o apoio que recebeu de vários e diferentes partidos e prometeu encarar o novo mandato com “humildade, determinação e entusiasmo”.
“Durante os próximos sete anos irei representar a voz de todos e a voz da Irlanda (...) que atravessa um período de grande transformação”, assegurou ainda, citado pelo Irish Times.
Um novo capítulo dessa transformação, numa sociedade de forte tradição católica e conservadora, aconteceu em paralelo à eleição de Higgins. Cinco meses volvidos da aprovação popular da descriminalização do aborto, a Irlanda deu luz verde à eliminação do delito de blasfémia da sua Constituição.
Com 65% favoráveis e 35% contra, os eleitores apoiaram a retirada da palavra “blasfémia” do artigo 40.6.1.i. da Lei Fundamental e a revogação das secções 36 e 37 da Lei de Difamação de 2009. O artigo constitucional criminalizava a “publicação ou declaração de assuntos blasfemos, sediciosos ou indecentes”.
Muitos irlandeses nem sequer tinham conhecimento desta disposição — ninguém foi julgado pelo delito referido em mais de 150 anos —, mas o tema regressou recentemente ao debate público, depois de a polícia irlandesa ter recebido uma denúncia contra o actor e comediante britânico Stephen Fry, que abordou a crueldade divina num programa de televisão irlandês, em 2015.
Fry disse que Deus era “caprichoso”, “mesquinho” e “maníaco”, mas o caso acabou por ser arquivado pelas autoridades, por não ter sido possível comprovar que estas palavras “indignaram um número substancial de pessoas”, escreve o Irish Times.
Citada pela BBC, o ministro da Justiça Charlie Flanagan mostrou-se satisfeito com o resultado do referendo e afirmou que o mesmo vem demonstrar que a Irlanda se “orgulha da sua reputação de sociedade moderna e liberal”.