Polícia brasileira fiscaliza universidades por propaganda eleitoral irregular
Acções como obrigar a retirar bandeiras que falam de fascismo e defesa da democracia põem em causa a liberdade de expressão, alertam várias entidades.
Várias universidades públicas no Brasil foram alvo de fiscalizações da polícia federal e dos tribunais eleitorais nos últimos três dias, e obrigadas a retirar faixas e bandeiras que no geral remetem para campanha antifascista e de defesa da democracia. A comunidade académica e institucional condenou as acções, que dizem colocar em causa a liberdade de expressão e a democracia.
“Do modo como penso a vida, a polícia, como regra, só deve entrar numa universidade se for para estudar”, afirmou Luís Roberto Barroso, juiz do Supremo Tribunal.
Outro juiz do Supremo, Gilmar Mendes aconselhou “prudência” neste tipo de acções de fiscalização. A existência de uma certa “ebulição” em ambientes universitários é inerente “ao processo democrático”. As acções da Justiça eleitoral devem “verificar se alguma manifestação de facto desborda do que a lei prevê e o que é manifestação normal no ambiente académico”, afirmou, citado pelo jornal Folha de São Paulo.
A Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro recomendou ontem aos reitores que defendam a livre expressão de alunos, professores e funcionários sobre o processo eleitoral, pronunciando-se sobre um dos casos que gerou mais polémica, que aconteceu na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.
A Justiça Eleitoral ordenou, a 23 de Outubro, que fosse retirada uma bandeira da fachada da Faculdade de Direito, no Rio de Janeiro, onde se podia ler “Direito UFF Antifascista”. Segundo declarações do director do Departamento de Direito Público, Paulo Corval, à Agência Brasil, a polícia afirmou ter um “mandado verbal” da juíza Maria Aparecida da Costa Barros, embora não apresentasse qualquer documentação.
“A polícia questionou uma professora sobre o que estava sendo leccionado, tiraram fotos do mural, de propagandas de eventos e congressos”, disse Paulo Corval.
Os alunos guardaram a bandeira, depois recolocada na fachada do edifício. Ainda assim, esta acabou por ser retirada a 25 de Outubro, por decisão do director da instituição, Wilson Filho. Caso contrário, este responsável estaria em risco de responsabilização criminal. No local ficou outra bandeira, onde se pode ler “censurado”.
Em comunicado, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro esclareceu que a fiscalização se deveu a 12 denúncias de “conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da Republica Jair Bolsonaro” por causa da bandeira. Os estudantes, que se manifestaram contra a acção a 24 de Outubro, voltam a fazê-lo esta sexta-feira, negando ter realizado propaganda político-partidária.
A Ordem dos Advogados do Brasil condenou as fiscalizações, considerando “que tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das faculdades de Direito”. Mostrou-se preocupada com os “mandados verbais”, que constituem precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia”.
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um evento denominado “Contra o Fascismo, pela Democracia” foi cancelado pela Justiça Eleitoral sob a alegação de que seria um “acto eleitoral dentro de uma instituição federal”, diz a Folha.
Na Paraíba, no Nordeste, três universidades foram fiscalizadas.
Em comunicado publicado no dia 25 de Outubro, a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande disse ter sido “alvo de uma acção da Polícia Federal”. Estava em causa a apreensão de um panfleto com o nome “Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública”, bem como supostos “materiais de campanha em favor do candidato a Presidente da República Fernando Haddad número 13 do PT”.
Segundo a Associação, foram apreendidas cópias do manifesto, “aprovado em Assembleia Geral realizada no dia 17 de Outubro, a fim de manifestar a defesa irrestrita da democracia e da universidade pública, não fazendo nenhuma referência a qualquer dos candidatos da disputa eleitoral para presidente”, bem como cinco ecrãs de computadores.
"A gente considera essa acção mais um atentado às liberdades democráticas porque o mandado era para apreender material com cunho político-partidário, que fazia a defesa de uma candidatura, mas nosso manifesto não tinha esse cunho. A gente vê isso como uma tentativa de cerceamento”, disse o Professor de Psicologia e director da ADUFCG, Tiago Iwasawa Neves, em declarações ao jornal O Estado de São Paulo.
Na Universidade Estadual da Paraíba, os polícias “se apresentaram sem identificação apropriada, sem mandado judicial e nem comunicação prévia com a administração central da instituição” e perguntaram a uma professora os seus dados e o que estava a ensinar na disciplina de Ética, diz a mesma Associação.
A 25 de Outubro, as autoridades regressaram durante um evento sobre a democracia e “houve nova inquirição sobre um possível apoio financeiro do sindicato dos docentes ou mesmo da Reitoria ao referido evento”. A associação exigiu “o cumprimento da Constituição”. O director da Universidade, Antonio Junior, emitiu um comunicado a condenar “quaisquer tipos de cerceamento da liberdade de expressão”, bem como a legalidade das fiscalizações: “Estar em sala de aula exibindo um vídeo, debatendo algum assunto, trocando ideias ou debatendo algum texto não tem nada a ver com propaganda eleitoral”.
Uma aula aberta ao público intitulada “Esmagar o Fascismo”, na Universidade Federal da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul, foi também suspensa por um mandato do Tribunal Regional Eleitoral, diz a Folha.
Em Minas Gerais, o Tribunal Regional Eleitoral obrigou a Universidade Federal de São João Del Rei a remover um comunicado publicado no site oficial, no qual reafirmava “seu compromisso com os princípios democráticos”, diz o Estado.
O comunicado dizia que o cenário político do Brasil “é marcado, da parte de um dos candidatos à Presidência da República, por discursos de ódio e intolerância para com a diferença”, mencionando o clima de violência. Dizia ainda que a universidade “tem a própria existência ameaçada nesse contexto de violência e de desrespeito à democracia”, apelando à reflexão eleitoral e a não participar em acções antidemocráticas.
Segundo o Estado, o Tribunal considerou que mesmo sem citar nenhum candidato, o comunicado era irregular, por não respeitar a liberdade de expressão e colocar em causa “a igualdade de oportunidades entre os candidatos”.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostrou-se solidária com as universidades afectadas. Em comunicado, a instituição lamentou as decisões dos tribunais eleitorais, “que tentam censurar a liberdade de expressão de membros de comunidades académicas, ferindo seus direitos civis e políticos, bem como o princípio constitucional da autonomia universitária”.
Também a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde vários estudantes foram presos durante a ditadura brasileira, em 1977, se manifestou contra o “ódio, intolerância e constrangimento de qualquer ordem”. O comunicado, publicado no Facebook, alerta para “a defesa dos interesses do povo brasileiro, de seus trabalhadores, bem como dos mais frágeis e vulneráveis”.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior também mostrou a sua indignação perante as fiscalizações, que alimentam a “cultura do ódio e da violência, que ora ameaça a sociedade e as universidades públicas, por meio de constrangimentos, ameaças e agressões”. Dizem ainda juntar-se ao esforço para “defender a democracia e por reforçar os laços de solidariedade” nas universidades brasileiras.
Texto editado por Clara Barata