"Não é o professor que tem de motivar” os alunos do ensino superior
Carlos Fiolhais, professor da Universidade de Coimbra e divulgador de ciência, defende que se deve cultivar a autonomia do estudante universitário. “Tenho truques pedagógicos, tipo Clube dos Poetas Mortos, de subir para cima da mesa. Mas a minha experiência diz-me que é uma eficácia de curto prazo."
Nas universidades ou politécnicos, a responsabilidade de motivar não deve caber ao professor. A tese é defendida por Carlos Fiolhais, físico, docente e divulgador de ciência. Afirma que, por oposição ao ensino básico ou secundário, onde “os alunos têm que ser dirigidos”, a frequência no ensino superior significa autonomia.
“No ensino superior os alunos são adultos, portanto têm uma responsabilidade”, disse ao PÚBLICO o professor catedrático da Universidade de Coimbra, à margem do Simpósio Internacional sobre Docência no Ensino Superior (SATHE), onde deu uma conferência com o tema “entusiasmar pela ciência”. O encontro, organizado pelo Centro de Inovação e Estudo da Pedagogia no Ensino Superior, decorre no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra até esta sexta-feira.
Apesar de admitir que há instrumentos que podem ser utilizados para captar a atenção, Fiolhais considera o segredo é a motivação. “Mas não é o professor que tem que motivar. Isso é um erro grande”, diz, acrescentando que essa perspectiva parte de uma “infantilização no ensino secundário” que se vai estendendo ao superior.
O problema estrutural vem de trás, refere: “Muitas vezes, a chave para entrar no superior são as explicações." Nessa transição entre formatos de ensino, há a questão de os alunos estarem habituados ao que Fiolhais considera ser uma forma de “paternalismo”. “O saber exige esforço, a vontade e a atenção do próprio."
Carlos Fiolhais, que já foi responsável por uma cadeira de comunicação de ciência, em que ensinava técnicas para transmitir melhor uma mensagem, admite que há falta de formação pedagógica nos docentes do ensino superior, mas entende que esse factor “não é o mais importante”. E prossegue: “Se o próprio (aluno) não se mobiliza interiormente, não há nenhum ilusionismo nem meios audiovisuais que valham."
Se há “um conjunto de técnicas” que pode ser utilizado para passar a mensagem, essa capacidade “nunca substitui a de abarcar os assuntos. É uma ilusão que a forma pode substituir o conteúdo”, assegura o também director do Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho. “Tenho truques pedagógicos, tipo Clube dos Poetas Mortos, de subir para cima da mesa. Mas a minha experiência diz-me que é uma eficácia de curto prazo."
“Se pensarmos que, ao longo da vida, só vamos lidar com grandes capacidades de comunicação, estamos perdidos. Essa capacidade, na vida real, chama-se marketing", prossegue.
A massificação do acesso ao ensino superior não trouxe uma quebra geracional de qualidade de alunos, defende ainda. “As queixas são largamente exageradas." Para o professor, há problemas de outra ordem no sistema de ensino superior, como o facto de haver “demasiados exames”. “Não confiamos que eles estejam a estudar”, sintetiza. Seguindo a mesma lógica de responsabilização, o físico defende que se deve conferir “mais autonomia aos alunos do superior: não só haver menos exames, mas menos aulas”.