Lobbying: reformular a questão e definir posições

Mesmo num tema que não reúne consensos há ganhos objectivos ao nosso alcance.

No que parece ser a recta final dos trabalhos da Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, importa perceber quais são as perspectivas relativamente à regulação dos contactos entre decisores políticos e representantes de interesses ou, por outras palavras, o lobbying. Neste momento, temos CDS e PS a favor da regulação, embora com projectos de lei distintos na forma e no conteúdo, BE e PCP contra qualquer “legalização de intermediários” e PSD perdido entre as visões da anterior direcção (a favor) e da actual (mais céptica) e, como tal, sem posição definida até ao momento.

Torna-se pertinente, portanto, colocar a questão: porque razão se está a tentar regular o lobbying? Uma parte importante das experiências de regulação noutros países tem como objectivo disciplinar a indústria de intermediários – empresas ou consultores – cuja actividade e influência cresceu de forma exponencial. É esse o caso, por exemplo, da regulação nos EUA, no Reino Unido ou nas instituições da União Europeia. Noutros, como a Irlanda ou o Chile, o objectivo da regulação foi sobretudo o de aumentar a transparência das decisões públicas e dos contactos entre políticos e representantes de interesses, sejam estes os próprios ou os seus intermediários contratados.

Em Portugal, a indústria do lobbying profissional está ainda limitada a uma mão-cheia de empresas, sendo a maior parte da intermediação realizada por agências de comunicação ou sociedades de advogados. Não urge, portanto, regular a actividade profissional em si mesma. Na relação entre representantes de interesses e detentores de cargos políticos, o que importa verdadeiramente é: 1) Controlar os riscos de captura do Estado por parte de interesses com uma influência desproporcional; 2) Aumentar o acesso aos decisores públicos, contribuindo assim para o equilíbrio de forças entre interesses e o leque de informação ao dispor do legislador; e 3) Aumentar a transparência das decisões públicas, de forma a que seja possível conhecer as informações, os argumentos e os interesses que estiveram na base da lei, da política e/ou de outra qualquer decisão pública.

Daí a Transparência e Integridade defender que, como complemento ou alternativa à tradicional solução do registo de lobistas, devem ser publicadas as reuniões que membros do governo, deputados e altos cargos públicos mantêm com representantes de interesses e deve ser implementado um instrumento de pegada legislativa que permita identificar as diferentes contribuições que estiveram na base de um determinado diploma legislativo. A transparência e a probidade da decisão pública são aqui os elementos-chave e não a regulação da actividade de lobbying em si. Esta última é apenas um meio de atingir aqueles fins.

Posto isto, é fundamental que, no jogo de negociação política, os partidos esclareçam as seguintes questões. Do PCP e do BE importa perceber se, não aprovando regulação dos intermediários, estariam dispostos a aprovar mecanismos de transparência, como a pegada legislativa e a publicação de reuniões, e de integridade, como códigos de conduta para representantes de interesses e para detentores de cargos políticos e públicos. Ao CDS e ao PS é necessário perguntar se acolhem igualmente uma solução mais adaptada à realidade nacional, mais centrada na transparência e menos na regulação da actividade profissional em si e na categorização de representantes de interesses. Mesmo num tema que não reúne consensos há ganhos objectivos ao nosso alcance. Assim haja vontade para conquistar o que pode ser conquistado.

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