Alemanha desafia aliados a suspender venda de armas à Arábia Saudita
A morte Jamal Khashoggi continua por esclarecer e versões contraditórias de Riad são postas em causa. Turquia divulga presença de "duplo" do jornalista em Istambul: "Para um interrogatório não é preciso um duplo".
A Alemanha quer que outros países da União Europeia suspendam a venda de armas à Arábia Saudita enquanto não estiver totalmente esclarecido o desaparecimento de um jornalista no consulado do país em Istambul, onde entrou para obter um documento, e de onde não saiu, há mais de três semanas.
O Governo de Berlim já tinha anunciado, no início do ano, que não venderia armas a Riad por temer que fossem usadas na guerra no Iémen, onde todos os envolvidos no conflito, incluindo as forças da Arábia Saudita são acusadas de potenciais crimes de guerra. Mas recuou e o Governo acabou por, no mês passado, assinar um contrato de 416 milhões de euros de venda de material militar para a Arábia Saudita.
O ministro da Economia da Alemanha, Peter Altmaier, disse que seria muito importante ter uma posição europeia conjunta. Os países europeus que mais exportam armas para a Arábia Saudita são o Reino Unido e França. Estes têm-se juntado a Berlim em declarações duras de pedido que se esclareça o que aconteceu ao jornalista, mas não parecem interessados em suspender a venda de armas.
No Reino Unido há uma acção judicial de uma organização não-governamental para impedir vendas de armas por causa do seu potencial uso em crimes de guerra no Iémen; em Itália outra acção por potencial uso de uma arma exportada por Roma num ataque que visou civis também durante a guerra no país.
No entanto, em termos comparativos, as vendas de países europeus são substancialmente menores do que as dos Estados Unidos – os EUA são o maior exportador de armas do mundo, e o seu maior cliente é a Arábia Saudita.
Segundo dados do grupo de monitorização Stockholm International Peace Research Institute, que usa um índice indicador da capacidade militar das armas (a que chamavam TIV, trend indicator value) e não do seu valor financeiro, nos dois últimos anos os Estados Unidos venderam o equivalente a 5221 TIV à Arábia Saudita, enquanto o Reino Unido se ficou pelos 1279 TIV, e se seguem Itália com 136 e quase a par França e Alemanha com 117 e 118, respectivamente.
Nos EUA, o Presidente, Donald Trump, afirmou que não via razão para suspender os acordos de venda de armas, mas no Congresso têm-se levantado vozes para o fazer.
Um duplo aponta premeditação
A Turquia voltou a falar do homicídio do jornalista Jamal Khashoggi, com um porta-voz do AKP, o partido do Presidente, Recep Tayyip Erdogan, a dizer que o assassínio foi “planeado de modo selvático”. A última explicação de Riade, disse, equivalia a “fazer troça” da inteligência da opinião pública internacional.
As autoridades sauditas começaram por garantir que o jornalista saíra pelo seu próprio pé, e com vida, do consulado em Istambul, e que agora diz que acabou morto numa discussão e luta com agentes que o queriam levar de volta para o país. O corpo ainda não foi encontrado.
A Human Rights Watch (HRW) alertava esta segunda-feira para a tentativa do reino saudita afastar do escândalo o príncipe herdeiro e efectivo detentor do poder Mohammad bin Salman, também conhecido como MBS.
O vice-director para o Médio Oriente da HRW Michael Page disse que “usar altos funcionários como bodes expiatórios” não vai apagar os indícios que ligam a morte a MBS. Analistas com conhecimento da Arábia Saudita dizem que é impossível o líder de facto do país não ter tido conhecimento do que aconteceu; investigadores turcos dão conta de quatro telefonemas do presumível chefe da equipa de 15 sauditas identificados a chegar a Istambul no dia da morte do jornalista e a sair a seguir ao chefe de gabinete de MBS.
Outra fonte turca mostrou à CNN imagens de um dos sauditas da equipa vestido com a roupa que o jornalista usava no dia em que foi morto, óculos de sol e uma barba falsa, e que parece mostrar o homem a sair do consulado pela porta das traseiras – eventualmente serviria para “provar” a saída do jornalista do consulado (a noiva esperou onze horas na porta principal pela sua saída).
“Não é preciso um duplo para enviar alguém para um país, ou para o interrogar”, disse o responsável turco. “Este foi um homicídio premeditado, e o corpo foi movido para fora do consulado”, disse.
Noutra frente, a conferência Future Investment Initiative, que começa esta terça-feira – também chamada “Davos do Deserto” – registou mais uma desistência de peso: a alemã Siemens, um dos principais parceiros da conferência. O antigo CEO da empresa alemã é hoje conselheiro de MBS. O actual CEO, Joe Kaeser, tinha defendido a participação na conferência, porque se não comunicasse com países nos quais há pessoas desaparecidas, “ficava em casa o tempo todo”.
Mas esta segunda-feira, Kaeser anunciou que a Siemens não participará no evento, dizendo que não pretendia condenar o regime e apenas esperava que “a verdade surja e seja feita justiça”. Comentou que nesta situação, na sua opinião, “todas as opções são erradas”.