17.56 Enoteca: o que é bom nunca é de mais
Conceito abrangente, com cozinha tradicional e de vanguarda, o 17.56 honra a história e pergaminhos da Real Companhia Velha.
Agradar a todos e ao mesmo tempo é uma espécie de impossibilidade prática, mas uma organização com mais de 260 anos de história há muito que se habituou a enfrentar os grandes desafios. Coisa pouca, portanto, para a Real Companhia Velha, que nasceu em 1756 como Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro e está umbilicalmente ligada à história do Douro e do Vinho do Porto e se mantém como uma das grandes referências do sector.
E o desafio consistiu em conjugar num mesmo espaço uma montra privilegiada para os vinhos e história da empresa, com uma parte museológica, espaços para prova e degustação, garrafeira — e a cereja no topo do bolo que é um restaurante que, sendo moderno e cosmopolita é também depositário dessa enorme tradição histórica.
O espaço é o dos antigos armazéns da companhia na marginal de Vila Nova de Gaia, uma área com três mil metros quadrados que foi exemplarmente remodelada e é já um dos mais atractivos spots para os visitantes que, cada vez em maior número, procuram a zona das caves do Vinho do Porto.
Mantendo a relação visual privilegiada com o rio Douro e o casario monumental do Porto, o restaurante ocupa todo o primeiro piso, com disposição que tem tanto de imponente como de diversificada, ou seja, propondo-se agradar a todos e ao mesmo tempo.
E não só agrada à primeira vista como é até é capaz de surpreender. Desde logo a luminosa escada rolante que nos transporta ao patamar superior, mas também pela área alargada, o ambiente glamoroso e acolhedor, a disposição das mesas e mobiliário. E ainda o confortável deck exterior voltado ao rio e ao Porto onde logo apetece ficar sem tempo.
Mas há mais. O restaurante desenvolve-se em torno de três cozinhas diferentes — de peixe, de carne e japonesa — e ambiente dinâmico, com lugares ao balcão, mesas ao estilo clássico, outras em plano mais elevado e ainda duas salas para momentos ou eventos de maior privacidade.
A nota de sofisticação é dada pela queijaria associada à zona de bar e balcão, mas sobretudo pelo exclusivo Cigar Club, um espaço para os apreciadores de charutos, com alargada selecção de cubanos e de vinhos do Porto para acompanhar.
O ambiente foodie e gastronómico é ainda reforçado com a disposição das cozinhas: abertas e voltadas à sala, que, funcionando de forma separada e autónoma, são propostas em comum ao cliente e com serviço igualmente partilhado.
Quanto ao conceito, o 17.56 Enoteca apresenta-se como “um espaço que pretende contribuir para a afirmação do Porto e Vila Nova de Gaia como uma das dez capitais mundiais do vinho e onde a oferta gastronómica é bastante variada, mas o vinho é Rei”. O texto refere ainda “uma oferta de cozinha tradicional, onde os peixes e mariscos são meticulosamente escolhidos e preparados, assegurada por um chef da Real Companhia Velha. O Reitoria assegura as sandwiches gourmet, charcutaria e steakhouse, com uma vasta selecção de carnes maturadas; enquanto que o raw bar de inspiração japonesa está ao cargo da Shiko Tasca Japonesa”.
A carta é conjunta e contempla vários “Petiscos” e “Entradas”, desde o presunto Joselito (18€) ou tábua de charcutaria (14€) às amêijoas à Bulhão Pato (18€), à sopa rica de peixe (7€), maionese de lavagante (16€) ou ovos rotos (11€). Seguem-se as ofertas de “Focaccia”, “Fromagerie”, “Sushi”, “Peixe” e “Carne”.
Como entrantes, solicitou-se “açorda de camarão e bacalhau” (8€) e “bacalhau à Brás” (9€). Serviço em taças elegantes e apresentação cuidada e em proporções bem generosas. Açorda com troços de camarão e bacalhau muito bem desfiado, em preparação competente, sabores definidos e base cremosa. Cebola al dente, ovo cremoso e dourado, textura aveludada e cremosa também no competente Brás de bacalhau. Ambos a compor entradas de bons auspícios.
O capítulo seguinte orientou-se para os peixes, tendo sido solicitados o “filete de robalo com migas “ (24€) e o “bacalhau assado no forno” (22€). Impecável o último, em lombo limpo e alto de assadura perfeita, onde os aromas de forno e do peixe se envolviam com as lascas gelatinosas de fios firmes e macios a evidenciar peça de boa cura. Acompanhava com batata a murro (no forno) e competente esparregado com nabiças e alho e fundo guloso de azeite. Muito bem!
Estilo de cozinha tradicional
Igualmente de lombo alto o generoso filete de robalo, a que a exposição ao calor terá retirado alguma da suculência. Elegante apresentação com a açorda de camarão que acompanhava a fornecer o complemento de suculência ao pescado.
Num claro estilo de cozinha tradicional, a lista de peixes alarga-se ao rodovalho no carvão, arroz de lavagante, filetes de polvo com arroz do mesmo, polvo à lagareiro ou massada de peixe, com preços entre 17 e 28 euros.
Nas carnes, oferta de variedades Wagyu, Black Angus, Rubia Galega (do Minho), com corte de txuleton, tornedó, posta da vazia e entrecôte e preços segundo o peso. Provou-se a Rubia Galega, que é servida com o mínimo de 500g (39,20€), de carnes púrpura e suculentas e músculo de textura macia. Tratamento culinário impecável e sabor intenso deixando uma sensação final que pedia um pouco menos de evidência ao sódio. Provavelmente do tipo de sal, que, no entanto, a cozinha garantiu ser flor de sal. Banal era mesmo a batata frita que acompanhou, ao estilo das básicas casas de tapas, que a especialidade e qualidade da carne claramente não mereciam.
Das sobremesas, espaço ainda para o delicado mil folhas de ovos (6€). O creme de ovo é fino, delicado e saboroso, mas o plus é mesmo a massa fina, crocante e estaladiça, que rebenta como sinfonia na cavidade bucal. Todos os doces são sugeridos com um pairing de vinho do Porto, todos a preços contidos e a convidar à prova.
E os vinhos são, como seria previsível, uma das mais salientes propostas do 17.56 Enoteca. A par da lista completa daqueles foram sendo produzidos na casa ao longo dos últimos 100 anos, a oferta estende-se também a todos aqueles que consensualmente serão hoje considerados como os grandes vinhos nacionais e de todas as regiões.
Com várias centenas de referências, apetece mesmo dizer que, mais que uma carta, é um catálogo com todos os melhores vinhos que são produzidos em Portugal. O problema é que será preciso ir com algum tempo de antecedência para poder fazer a consulta. E nem se pense que seja apenas piada, já que é notória a falta de um sommelier ou especialista que apoie os clientes perante tão diversificada e valiosa oferta, ainda por cima com preços que no geral parecem de grande sensatez. Como diz o povo: em casa de ferreiro, espeto de pau!
E é a sabedoria popular que nos faz voltar ao início e à ambição de a todos agradar simultaneamente. Que é inovador e ambicioso, não restam dúvidas, mas fica a questão de saber se não será oferta demasiada.
A sensação que fica é que a Real Companhia Velha prova estar à altura do desafio, propondo uma cozinha diversificada e conseguindo conjugar a história e tradição num contexto moderno e sofisticado e claramente apelativo. Ou seja: o que é bom nunca é de mais!
O risco é que a mistura possa, aqui e ali, colocar algumas areias na engrenagem do serviço, e isso parece não estar ainda totalmente afastado.