O road movie de Aya Koretzky e o call center do INEM por Pedro Florêncio

Duas óptimas longas a merecerem toda a atenção no concurso português do Doclisboa.

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A Volta ao Mundo Quando Tinhas 30 Anos dr
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Em 2011, Aya Koretzky saiu do Doclisboa com o prémio de melhor longa portuguesa pelo seu encantador “diário de família” Yama No Anata – Para Além das Montanhas; em 2017, Pedro Florêncio foi também premiado no certame com a sua média À Tarde. Os dois cineastas regressam este ano à Competição Portuguesa do festival com duas longas que, desde já, são do melhor que o Doc exibe este ano numa selecção que também conta (do que já foi possível ver) com excelentes filmes de Leonor Teles e Salomé Lamas.

Aya Koretzky, nascida em Tóquio de pai japonês e mãe belga mas residente em Portugal desde criança, regressa às crónicas familiares de Para Além das Montanhas, que abordava a mudança da família para Portugal, com A Volta ao Mundo Quando Tinhas 30 Anos, que tem estreia mundial no Doc neste sábado, dia 20 de Outubro, às 19h15 (Culturgest, com repetição terça-feira 23 às 14h00). Ninguém aqui vai ao engano: o filme é exactamente aquilo que o título refere, um road movie a posteriori do ano que Jiro Koretzky, pai da realizadora, passou em viagem pelo mundo, começando pela (então ainda) URSS e terminando (praticamente) nos EUA.

O dispositivo da reconstrução são fotografias de arquivo tiradas pelo pai e imagens de época intercaladas com o quotidiano actual de Jiro na sua quinta perto de Coimbra, mas o que é importante não é a forma “como” esta volta ao mundo é contada, é a delicada elegância com que Aya Koretzky desenha esta teia de memórias e experiências, como um discreto feitiço que vai envolvendo o espectador aos poucos. Não é um filme gratuitamente nostálgico, como corre o risco de parecer às vezes, mas tem qualquer coisa de espanto por ter havido um tempo em que era possível partir nestas aventuras sem pensar duas vezes.

Se A Volta ao Mundo Quando Tinhas 30 Anos se inscreve na sequência do filme anterior de Aya Koretzky, Pedro Florêncio assina com Turno do Dia o exacto oposto de À Tarde, o exercício de slow cinema que trouxe ao Doclisboa em 2017. O novo filme, com estreia mundial no Doc terça-feira, dia 23 de Outubro às 18h45 (São Jorge, com repetição sexta-feira, 26, às 16h45), é um documentário observacional que pousa a câmara no centro de atendimento de Lisboa do INEM, acompanhando, tal como o título o diz, o “turno do dia” das respostas às chamadas de emergência médica para o 112, rodando entre os vários operadores de serviço ao longo de um dia “normal” de trabalho.

 Na prática, isto traduz-se numa série de planos únicos, geralmente fixos, concentrados no operador e na sua interacção com quem está do outro lado da linha, num crescendo de “micro-dramas” que se resolvem em cinco ou dez minutos e têm o efeito de colocar o espectador na exacta posição dos enfermeiros: tão impotentes como eles para ajudar quem está do outro lado da linha, limitados a um diagnóstico à distância, algumas instruções médicas e um envio de assistência, suspensos do que está a ser dito do outro lado da linha por alguém que está evidentemente transtornado, preocupado, doente.

Este Turno do Dia podia ser o de qualquer call center em qualquer parte do mundo, só que aqui trata-se de questões de vida ou de morte, muitas vezes no espaço de duas chamadas. E o que também se vê no filme de Pedro Florêncio, pelo meio deste olhar, é um retrato à la minuta de um Portugal “profundo”, comum, médio, não raras vezes frustrante e poucas vezes visto desta maneira no cinema que por cá se faz, seja ele documental ou de outro género. 

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