No Politécnico da Guarda luta-se pela sobrevivência
A instituição perdeu 21,5% dos alunos colocados face ao ano passado. Mas as vagas vão ser todas preenchidas pelos públicos alternativos como os estudantes-trabalhadores ou os alunos internacionais.
É difícil não reparar num tripé de um teodolito. E se à sua volta estiveram cinco pessoas, é quase garantido que a situação nos vai deter o olhar. O aparelho usado por topógrafos está apontado na direcção de um dos edifícios do campus do Instituto Politécnico da Guarda (IPG) e os estudantes confirmam medições, fazem cálculos e tomam notas. São alunos do terceiro ano da licenciatura em Engenharia Topográfica no qual, este ano, no concurso nacional de acesso, não houve nenhum colocado. Não é a primeira vez que acontece. O curso sobrevive há vários anos com as inscrições de estudantes-trabalhadores e alunos estrangeiros.
Atrair públicos alternativos tem sido a estratégia do IPG para contornar a perda de estudantes que vem sofrendo desde o início do século. No concurso nacional de acesso desde ano, perdeu 21,5% dos colocados face a 2017. Foi a maior quebra de toda a rede pública de ensino superior. No entanto, todas as 700 vagas em licenciaturas disponibilizadas vão ser ocupadas através dos concursos para maiores de 23 anos, estudantes internacionais ou detentores de cursos técnicos superiores profissionais.
Esta é a solução possível para evitar o encerramento da licenciatura que é a única da especialidade existente em Portugal. Ao todo, há 41 estudantes inscritos nos três anos da formação superior. O IPG fez uma parceria com a Associação Nacional de Topógrafos e recebe todos os anos profissionais da área à procura de uma qualificação superior. Para acolher os trabalhadores, o curso teve que adaptar-se e só há aulas às quintas, sextas e sábados.
Topógrafo há 30 anos
Todas as semanas, Herlander Fernandes sai de Leiria em direcção à Guarda após o almoço de quinta-feira para ter aulas. Trabalha como topógrafo há 30 anos, depois de ter feito um curso não-superior de três anos e gere uma das empresas líderes do mercado em Portugal, que emprega 30 trabalhadores e tem operações em três continentes. As exigências do trabalho fizeram-no “sentir a necessidade” de fazer um curso superior.
Na turma só há cinco alunos jovens, uma experiência que tem sido “muito positiva”, conta. “Os professores dizem-nos que é uma turma mais concentrada, por ter adultos”. Marlise Varela, 20 anos, começou por estranhar a situação, mas agora está satisfeita: “Eu consigo aprender duas vezes!” Aprende com os professores e também com os colegas, que já têm experiência profissional. Marlise Varela é de Cabo Verde. Na turma tem mais dois colegas do seu país e outros dois lituanos. Não há nenhum jovem português.
Os estudantes de Engenharia Topográfica estão à porta da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, o maior edifício do campus do IPG. É um edifício amarelado, coberto por um telhado cor-de-laranja, que parece uma construção confusa, como se lhe tivesse faltado espaço para se estender.
Não foi, seguramente, o que aconteceu, porque à sua volta há uma imensa zona verde e é preciso caminhar por uns minutos para chegar aos outros edifícios do campus. Lá dentro, percebe-se um pouco melhor aquele aparente emaranhado de construções: o edifício está dividido por alas, cada uma destinada a um dos cursos. As colunas das áreas comuns são de um azul muito vivo. O piso dos corredores é da mesma cor. Por ali, encontram-se poucos alunos. Apenas pontualmente se houve o ruído que é costume encontrar-se em instituições de ensino superior.
O IPG não é um lugar vazio, mas está longe de estar cheio. Hoje tem 3000 alunos. Destes, cerca de 500 são estrangeiros. No ano 2000, o politécnico chegou a ter 4200, o seu máximo histórico. Desde então, a tendência tem sido sempre de perda, mesmo quando, na primeira década desde século, o resto do sistema público de ensino superior estava em crescimento.
“Não fomos capazes de alavancar o crescimento do instituto na Escola Superior de Saúde, como deveríamos ter feito”, lamenta o presidente do politécnico, Constantino Rei. Se, por exemplo, o politécnico de Castelo Branco criou, nessa altura, quatro cursos de Saúde, que são hoje dos mais procurados na instituição, o da Guarda criou apenas um, o de Farmácia.
IPG recebeu 384 alunos
Este ano, no conjunto das três fases do concurso nacional de acesso ao ensino superior, o IPG recebeu 384 alunos. No ano passado tinham sido colocados 489 estudantes.
Só a licenciatura de Enfermagem – que está na Escola Superior de Saúde, localizada no centro da cidade, junto ao hospital – ocupou todas as vagas oferecidas neste ano lectivo. Cursos como os de Gestão de Recursos Humanos, Gestão, Marketing ou Desporto estão também entre os mais procurados, ficando com menos de dez vagas sobrantes no concurso de acesso.
Além de Engenharia Topográfica, houve um outro curso do IPG a não ocupar nenhuma vaga nas três fases do concurso de acesso: Educação Básica. O curso de Engenharia Civil, que nos últimos três anos tem ficado vazio, este ano teve um aluno colocado na 2.ª fase.
Os resultados “não foram uma surpresa” para o presidente do IPG. “A partir do momento em que conheci o número de candidatos da 1.ª fase, com uma quebra de 3000 estudantes, obviamente que era um resultado expectável”, diz Constantino Rei. Mas, antes mesmo do arranque do concurso, a direcção do IPG já estava descrente.
Por via da medida que cortou 5% das vagas das universidades e politécnicos de Lisboa e do Porto, o politécnico da Guarda podia ter aumentado 32 lugares para novos alunos. Decidiu usar apenas 16. “A partir do momento em que os alunos que não vão para Lisboa e Porto, podem ir para o Minho, Aveiro ou Coimbra, naturalmente que o impacto seria residual aqui”, afirma em tom de crítica à decisão do ministro da Ciência e Ensino Superior.
Encerramento não é opção
O discurso do presidente do IPG soa a desmotivação, como se pouco estivesse a favor do politécnico. A região está longe dos grandes centros e “não se distingue do ponto de vista industrial”, pelo que é “difícil identificar” uma área onde o politécnico se pudesse especializar para sobressair no panorama nacional. Além disso, a própria designação como politécnico “é penalizador”, defende.
Constantino Rei afasta por completo um cenário de encerramento do IPG, que é um dos maiores empregadores do concelho da Guarda – “seria a machadada final na região” –, mas acredita que o melhor caminho para o futuro da instituição passaria pela sua integração na Universidade da Beira Interior, sediada na Covilhã, a cerca de 50 quilómetros de distância. “Talvez aí se possam dar passos positivos.”