Memórias da Colômbia no cinema de Luis Ospina
Uma obra quase desconhecida, de um dos principais nomes do cinema colombiano, que tudo justifica descobrir no Doclisboa.
Mesmo com o acréscimo de visibilidade de várias cinematografias latino-americanas, o cinema colombiano continua a ser desconhecido, bem como os seus principais autores. A retrospectiva do DocLisboa 2018, organizada em colaboração com a Cinemateca (onde decorrerão todas as sessões), apresenta-nos um dos principais nomes do cinema colombiano, o de Luis Ospina. Com uma obra que vem desde o princípio dos anos 1970, Ospina (n. 1949) é um cineasta heteróclito, que tocou a ficção, cruzou a fundo o território documental (filmando a sua cidade natal, Cali, e retratos de artistas e intelectuais colombianos), aproximou-se das “vanguardas” e do “experimentalismos” (um dos seus cineastas favoritos é o americano Bruce Conner), reflectiu sobre a história do cinema, não apenas da do colombiano.
É preciso dizer que se trata dum cinéfilo sofisticado, como o atesta a escolha com que preencheu a Carta Branca que lhe foi oferecida, e onde não há quaisquer lugares-comuns (para além dum programa com filmes de Bruce Conner, a ver dia 24 às 21h30, há o secreto Neige, de Juliet Berto e Jean-Henri Roger, mostrado dia 25 às 21h30, ou Mélodrame, de outro clandestino do cinema francês dos anos 70, Jean-Louis Jorge, a ver dia 26 às 21h30). E foi como cinéfilo que Ospina começou a deixar marca na cena cultural de Cali, quando, com um grupo de amigos que ficou conhecido como o Grupo de Cali ou Caliwood, fundou um cineclube e uma revista de crítica de cinema (mais tarde afastou-se, desiludido com a tendência dos cineclubes para começarem a mostrar “filmes de Oliver Stone ou Peter Greenaway”, conforme se pode ler numa entrevista dos anos 2000). Um dos filmes do ciclo é mesmo uma revisitação biográfica ao percurso do Grupo de Cali: Todo Comenzó por el Fin, de 2015 (dia 20, 21h30), com uma duração quase épica (3 horas e meia). Outros filmes têm o cinema como centro: De la Ilusíon al Desconcierto: Cine-Colombiano 1970-1995 (dia 19, 18h30), ou os dois títulos que compõem a sessão de dia 22 às 21h30, En Busca de “María”, sobre um filme fundador da cinematografia colombiana, hoje reduzido a um fragmento, e Slapstick: La Comedia Muda Norte-Americana, observação “didáctica” (feita para a televisão) dos grandes pioneiros do cinema cómico americano.
Filmou, muito, a sua cidade, aspecto em que talvez o título mais significativo seja o do grande “fresco” que estreou em 1995, Cali: Ayer, Hoy y Mañana, retrato duma cidade através dos tempos e das mais variadas temáticas (sociais, artísticas, culturais, políticas), outro filme com uma duração “monumental” (quatro horas) mas também um possível magnum opus (dia 23 às 17h). Retratou artistas e intelectuais, como o escritor Fernando Vallejo (La Desazón Suprema: Retrato Incesante de Fernando Vallejo), autor de La Virgen de los Sicarios, que deu origem ao filme de Barbet Schroeder (também incluído na Carta Branca: foi Ospina que deu o livro a conhecer a Schroeder; passa dia 18 às 21h30); ou o pintor Lorenzo Jaramillo, em Autorretrato Póstumo de Lorenzo Jaramillo e Nuestra Película (dia 19 às 19h, repetição a 24 às 18h30). O carácter violento de muitos aspectos da história colombiana, e em particular de Cali, no entroncamento entre a violência política e a violência do narcotráfico, está subjacente a muitos destes filmes mas foi nas suas incursões ficcionais que Ospina o tratou de forma menos velada: Soplo de Vida, de 1999 (18 às 19h e 26 às 15h30), variando sobre o modelo clássico do filme negro; e Pura Sangre, de 1982 (19 Às 21h30 e 23 às 15h30), onde a colagem ao universo do filme de vampiros serve para a contar uma história alusiva ao poder económico na Colômbia, com centro num velho magnata produtor de açúcar. Ficções pouco canónicas, que mostram a veia cinéfila, “reflexiva”, de Ospina.