Itamar Vieira Junior: “Quero a arte como um manifesto que nos humanize, acima de tudo”

O escritor brasileiro que venceu a edição deste ano do Prémio Leya com Torto Arado ainda está a “assimilar todo o interesse” que se gerou à sua volta depois do anúncio do galardão.

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Itamar Vieira Junior, vencedor da edição deste ano do prémio Leya DR

"Ainda estou a assimilar todo o interesse que se voltou para mim por conta da premiação", confessa ao PÚBLICO por email Itamar Vieira Junior, o vencedor do Prémio Leya 2018 anunciado na quarta-feira em Alfragide.

Torto Arado, o romance responsável pela sua vitória, é inédito, como é apanágio do prémio que celebra este ano uma década de existência, e só será publicado em Portugal no início do próximo ano.

O júri, presidido por Manuel Alegre, elogiou a "solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo num contexto dominado pela sociedade patriarcal" do romance.

"O Brasil é um país de profundas desigualdades e minha obra não está alheia aos seus problemas sociais. É uma obra que trata do Brasil profundo, o Brasil popular", comenta Itamar Vieira Junior por email.

Em conversa com o PÚBLICO, depois da cerimónia de anúncio do vencedor, o membro do júri Paulo Werneck, editor, inseriu o romance numa “tradição do romance rural”, que inclui “livros clássicos, como Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar”.

"É uma grande honra", reage Itamar Vieira Junior a tal comparação. "Tenho profunda reverência a este que considero o grande romance brasileiro do século XX. Reconheço a influência que Raduan, e muitos outros, como José Saramago, têm em meu trabalho", prossegue o autor brasileiro. Paulo Werneck descrevia ainda o livro como "um romance político” e o escritor concorda com este ponto de vista.

"Torto Arado é um romance que narra os conflitos de terra no Brasil, conflitos que atravessaram gerações e ficaram mais graves nos últimos anos. Lideranças camponesas têm sido vítimas de uma escalada de violência que aproxima o país dos regimes mais bárbaros do mundo. Tudo isso afecta minha humanidade e reverbera no que escrevo. Quero a arte como um manifesto que nos humanize, acima de tudo", resume o autor quanto ao livro vencedor.

Com o PÚBLICO, o escritor brasileiro partilhou ainda uma sinopse deste romance, que gira à volta "das irmãs Bibiana e Belonísia", que, "ainda na infância", viram as suas vidas transformadas para sempre por causa de um acidente. "As duas são filhas de trabalhadores de uma fazenda no Sertão da Bahia, Brasil" e, "a partir desse evento", tornam-se "dependentes, a ponto de não saberem quando uma vida começa e a outra termina. É o que sabemos a partir da perspectiva da irmã mais velha, Bibiana. Quando Belonísia passa a narrar a trajetória de sua família e das pessoas que vivem em seu entorno, o que já sabemos pode ganhar uma profundidade distinta".

"Vivendo numa propriedade que abriga descendentes de escravos, e para quem a abolição da escravatura, por longo tempo, pareceu estar apenas encerrada em uma data do calendário, as irmãs narram a história de três décadas de suas vidas na Fazenda Água Negra, e tudo mais que não tenha escapado à memória de seus pais: desde a injustiça advinda do sistema de morada a que estavam submetidos, aos encantos da magia praticada por seu pai, Zeca Chapéu Grande, e os conflitos por terra, que podem levá-las a transgredir as condições de vida que lhes foram impostas".

O autor é também um dos finalistas da edição deste ano do prémio de literatura brasileiro Jabuti, na categoria de conto, graças ao seu livro A Oração do Carrasco.

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