Em Portugal, mesmo com a crise, “o diálogo social continuou”
Guy Ryder é director-geral da Organização Internacional de Trabalho desde 2012. Ao PÚBLICO, explica a importância do relatório publicado na terça-feira e lembra que a experiência em Portugal pode ser um exemplo para os outros países.
O que é que o marcou mais neste relatório?
Tenho vindo a Portugal muito regularmente e tenho falado com o Governo, trabalhadores e empregadores desde que estou nesta função (há seis anos) e antes disso. O que se destaca é que, mesmo em circunstâncias muito difíceis, o processo de diálogo social continuou.
Ao mesmo tempo que tenho trabalhado em Portugal, também tenho estado na Grécia. Lá, o diálogo tornou-se uma vítima da crise. Isso teve duas consequências. Por um lado, a recuperação na Grécia está a ser muito mais elusiva. Os estragos sociais estão a ser muito maiores. Pode dizer-se que as circunstâncias nos dois países são muito diferentes. Mas mesmo assim… São dois modelos contrastantes da forma como o diálogo social contribui para melhorias no país. Em segundo lugar, acho que tem a ver com política. Fiquei impressionado quando o primeiro-ministro enfatizou esta questão da confiança. Apesar das dificuldades, ainda há um nível elevado de confiança entre os actores políticos e sociais. E estamos num período em que essa confiança é muito reduzida em todo o mundo. Eu só comparo o que vejo aqui com o que vejo noutros países, que não tiveram desafios tão fortes como Portugal.
É possível perceber qual o futuro do mercado e das condições de trabalho em Portugal?
Honestamente, não acho que fazer previsões seja útil. Num momento em que a Organização Internacional de Trabalho (OIT) está, a propósito do seu centenário, a olhar para o futuro do trabalho, eu digo sempre que não estamos aqui para fazer previsões sobre como será o trabalho daqui a cinco, dez ou 15 anos. O que estamos aqui para fazer, e o nosso estudo tenta fazê-lo, é olhar para o que temos hoje, as tendências e os desafios, e perceber quais as políticas que queremos para mover Portugal na direcção que desejamos. E há muita coisa. Lidar com o trabalho precário, controlo de investimento, importações, uma noção muito forte de que é preciso fortalecer a educação e as competências. Outra coisa é o retorno dos emigrantes. Vivo na Suécia mas sou do Reino Unido e vejo muitos portugueses talentosos, energéticos, competentes, muitas vezes jovens, a contribuir imenso para o progresso nesses países, o que é maravilhoso. Acho a migração uma coisa maravilhosa, mas não como obrigação. Se essas pessoas preferirem estar aqui, a contribuir para o progresso do seu próprio país, então acho que devem poder vir.
Ainda estamos a sofrer com alguns dos efeitos da crise, nomeadamente no que diz respeito à precariedade dos trabalhadores mais jovens. Durante quanto tempo é que isto vai permanecer?
A segmentação do mercado de trabalho é algo que Portugal tem há muito tempo. Nem tudo começou com a crise. Portugal tem um mercado altamente segmentado — algo que já tem há muito tempo. O nosso relatório diz que quaisquer medidas que foram tomadas para ultrapassar a segmentação não resultaram, porque de momento ainda temos a mesma divisão que havia antes. É uma área onde é preciso fazer mais trabalho e acho que é preciso uma abordagem muito mais sistematizada. Acho que não é um tema que gere consenso, por isso vai requerer mais esforços. É algo extremamente importante porque são problemas que podem não vir da crise, mas são questões no mercado de trabalho e têm de ser endereçadas.