ACP vê "uma mão cheia de ilusões e outra de mais impostos" no OE 2019
Automóvel Clube de Portugal (ACP) diz que proposta de Orçamento do Estado traz "aumento encapotado" de impostos, castiga consumidores e é inócuo na mobilidade eléctrica.
Se o Orçamento do Estado 2019 (OE 2019) fosse um teste de condução, e o Automóvel Clube de Portugal (ACP) o examinador, o Governo estaria chumbado. "É uma mão cheia de ilusões e outra de mais impostos", afirma o ACP, numa primeira reacção ao documento apresentado pelo executivo na segunda-feira à noite, e que "repete a fórmula dos antecessores e frustra, novamente, a esperança de uma economia próspera e saudável". Para o mundo automóvel, diz aquela instituição, o Governo reserva um "aumento encapotado" no IUC.
A entidade liderada por Carlos Barbosa lamenta que o OE 2019 opte pela "ilusão" e por medidas "inócuas" na promoção da mobilidade eléctrica, criticando o facto de penalizar empresas com o aumento da tributação autónoma sobre o parque automóvel e a subida do imposto de selo no consumo ao crédito, medida que também mexerá com os particulares que comprarão carro novo no próximo ano com recurso ao crédito.
Embora destaquem como positivo a introdução de um factor de correcção decorrente do novo sistema de medição de emissões do CO2 – "uma medida não penalizadora para a renovação do parque automóvel", reconhece o ACP – os dirigentes desta entidade mostram-se perplexos por esse factor de correcção (que assume a forma de um desconto em percentagem, definido como uma norma transitória) ter valores distintos conforme se trate do Imposto Único de Circulação (IUC) ou do Imposto sobre Veículos. E não se percebe, salienta o ACP, por que razão os "descontos" nas emissões para cálculo do IUC (vulgo "selo do carro", pago anualmente) são menores do que para o ISV (pago na primeira compra), quando as cilindradas e as emissões são iguais – ainda que no ISV o Governo pretenda castigar os carros mais poluentes, como o PÚBLICO já explicou.
Correcções maiores no ISV do que no IUC
Dois exemplos desta diferença, retirados das simulações que a consultora PwC fez para o PÚBLICO: um carro com motor diesel de 1461 centímetros cúbicos de cilindrada e emissões de CO2 de 95 gr/km (na norma NEDC, que vai ser agora substituída) beneficia de uma taxa de correcção de 21% em sede de IUC (fica com emissões de CO2 corrigidas de 87 gr/km), mas no cálculo do ISV o mesmo motor beneficia de uma correcção de 23% (emissões corrigidas de 85 gr/km); num motor a gasolina de 1798 cc e emissões NEDC de 161 gr/km, a emissão é corrigida em 12% para o IUC e 17% para o ISV. (Nota: os exemplos citados são duas das motorizações mais comuns no parque automóvel português)
É esta diferença de tratamento que o ACP diz não compreender, questionando: "O que é válido no momento do registo da viatura [ISV] não é válido para a vida [IUC]?" Além disso, dado que estas correcções estão na proposta de OE 2019 como disposição transitória, isto "significa que é válida apenas em 2019? O regime de IUC não foi repensado para albergar três fórmulas de cálculo de imposto? Significa que a partir de 2020 vai haver nova reformulação do IUC ou assumir-se-á a desigualdade fiscal em função do método de homologação de viaturas?"
"Obsessão pela receita rápida"
Já a manuteção do adicional ao IUC (para carros a gasóleo) é a "obsessão pela receita rápida", diz o ACP, "dado que a esmagadora maioria das viaturas em circulação são movidas a gasóleo". E quanto à promoção de alternativas mais amigas do ambiente, como a mobilidade eléctrica, o ACP considera que a proposta do OE 2019 não passa de "cosmética", porque "neste capítulo, os incentivos são proclamados, mas inócuos", dado que "só são válidos para as primeiras mil viaturas e, mesmo assim, inferiores a 2500 euros".
Depois de criticar "um aumento brutal do imposto de selo no crédito ao consumo, da ordem dos 60%", o ACP afirma que, em 2019, "apesar da ilusão, quem quer comprar carro vai pagar mais". E para engrossar as razões de descontentamento, o ACP enumera ainda o adicional ao imposto dos combustíveis (ISP), que continua em vigor, a falta de incentivos ao abate de carros em fim de vida "que se mantém na gaveta" e a "medida eleitoralista" de redução do preço dos passes de transportes, que o Governo pretende financiar com 83 milhões de euros.
"Com esta proposta de Orçamento, todos os contribuintes vão pagar a redução do preço dos passes para continuarem a ser mal servidos", entende a direcção do ACP, sustentando que "não se conhecem investimentos nesses transportes ou numa rede integrada e eficiente nas áreas metropolitanas" e "faltam políticas de mobilidade", o que leva a que os portugueses sejam "os europeus que menos utilizam os transportes públicos pelo mau serviço prestado".
"Garrote fiscal" para empresas
A terminar, o ACP chumba as propostas do Governo cujo impacto estima ser negativo na vida das empresas. "Não se vislumbram medidas reais de incentivo, muito pelo contrário", alega esta entidade, aludindo ao aumento da tributação autónoma.
"Carregar no imposto sobre o parque automóvel das empresas é mais uma fonte de receita garantida para o Estado. Com lucros ou não, todas as empresas têm viaturas que precisam para o seu serviço, ficando agora à mercê de mais um garrote fiscal."
Por isso, "o resultado, tal como decorre do IUC e do ISP, será também um aumento generalizado dos bens e serviços que atingirá todos os contribuintes sem excepção".