Cocaína, bananas e diamantes: la vida loca de dois inspectores da Judiciária
Arguidos negam tráfico de droga e restantes acusações. Começaram a ser julgados esta terça-feira
Dois ex-inspectores da Polícia Judiciária começaram a ser julgados esta terça-feira no Campus da Justiça, em Lisboa, por tráfico de droga em grande escala e vários outros crimes.
Segundo a acusação, apesar de terem sido responsáveis pela apreensão de grande quantidade de estupefacientes ao longo das suas carreiras também fecharam os olhos várias vezes à entrada de cocaína em território nacional, a troco de dinheiro. O caso inclui ameaças de morte por parte de traficantes colombianos, operações plásticas para disfarce de identidade e heranças em diamantes, num cenário de vida loca que o ar circunspecto dos inspectores que se sentam agora no banco dos réus parece desmentir por completo.
Dias Santos e Ricardo Macedo trabalhavam na Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, que o primeiro coordenava, quando um colega seu de outro departamento da Judiciária é contactado por um terceiro homem, que em tempos lá tinha também trabalhado. Conta-lhe que ele e a família estão a ser ameaçados de morte por traficantes colombianos. Motivo: o desaparecimento, em 2013, de 250 quilos de cocaína escondidos num contentor que chegara ao porto de Sines carregado de ananás enlatado. Na versão do denunciante, Dias Santos e Ricardo Macedo tinham-lhe garantido, a ele e ao cartel colombiano, que a droga chegaria a bom porto sem ser apreendida. “Dias Santos era um facilitador e iria receber, juntamente com Ricardo Macedo, 15% do valor da mercadoria”, relatou esta terça-feira aos juízes o denunciante, que é também arguido neste processo baptizado como Operação Aquiles.
O relato foi feito por videoconferência, mas sem transmissão de imagens, por questões de segurança. Ao abrigo do programa de protecção de testemunhas, este homem de 64 anos mudou de rosto e de identidade. Onde se encontra só as autoridades sabem. A mãe e a irmã foram ameaçadas mais de uma vez, contou em tribunal.
As ameaças têm um motivo muito simples: os colombianos nunca mais voltaram a pôr a vista em cima da cocaína depois de a terem embarcado num porto da América Latina, com destino a Portugal. Facto que não os deixou propriamente satisfeitos. Mesmo hoje, cinco anos passados, ignora-se onde foi parar. Talvez tenha sido roubada quando o navio fez escala em Antuérpia. Ou antes até. Quando a Judiciária abriu as latas de 50 quilos de ananás enlatado só encontrou… ananás enlatado. E ananás podre, também: algumas latas tinham sido previamente abertas. “Falei com quem a tinha colocado no contentor e explicou-me que não estava nas latas e sim debaixo das paletes, coberta por uma fibra de vidro especial”, contou o mesmo arguido.
A quinta, o apartamento e os diamantes
Mas Dias Santos e o colega não só negam ter sido eles a roubar o estupefaciente como também qualquer espécie de envolvimento nas restantes peripécias relacionadas com narcotráfico reunidas pelo Ministério Público na Operação Aquiles, e que incluem carregamentos de coca disfarçados já não em latas de ananás mas sim em paletes de bananas. Dizem que foram colegas seus da Judiciária a montar-lhes uma cilada para os incriminarem, por mera inveja.
De entre os indícios de culpabilidade reunidos pelo Ministério Público fazem parte os bens patrimoniais do inspector-coordenador, que comprou uma quinta em Portugal e tinha também um apartamento em Islantilla, imóvel que mais tarde viria a vender. Diz o seu advogado, Melo Alves, que adquiriu a quinta antes de 2001, altura em que a acusação não lhe assaca quaisquer crimes. Tê-lo-á conseguido graças a uns diamantes que o pai lhe deixou de herança. Quanto à venda do apartamento em Espanha, será a justificação para a entrada na sua conta bancária de 250 mil euros, parte dos quais em numerário, e não em cheque. É verdade que da escritura só constam 120 mil, mas a razão para isso terá sido a compradora querer fugir aos impostos. A imobiliária através da qual foi feita a transacção já terá confirmado isso mesmo.
Além dos dois ex-inspectores, sentam-se no banco dos réus um cabo da GNR e mais de uma vintena de outros arguidos, a maioria ligados ao narcotráfico. “Tinham perfeito conhecimento de que a cocaína era susceptível de afectar a saúde de eventuais consumidores”, refere o despacho de pronúncia. As acusações incluem associação criminosa e corrupção.