É este um Orçamento eleitoralista?
A troika deixou o país, mas a direita ainda não fez o seu luto.
O Orçamento do Estado para 2019 é eleitoralista, diz-nos a direita em uníssono. O oráculo do país, Marques Mendes, anunciou numa das suas preleções semanais que este Orçamento “é o mais eleitoralista possível”. Rui Rio disse ter “temores que o Orçamento possa ter um perfil eleitoralista”. No Observador, os spin doctors do CDS são taxativos: “é eleitoralista, da mesma forma que o são todos os orçamentos de final de ciclo político”. Não há como escapar, se há algo que une a direita nos dias de hoje é o dedo em riste e o grito “eleitoralismo”.
O que entende a direita por eleitoralismo? O aumento das pensões que estiveram congeladas no tempo em que PSD e CDS estiveram no poder? Será a redução da fatura da eletricidade, no país que tem da energia mais cara da Europa? Serão os descongelamentos da administração pública após mais de uma década de perda salarial? Será a dignidade de acabar com a dupla penalização na antecipação da reforma para quem tem longas carreiras contributivas? Será a redução do valor máximo das propinas que, desde os tempos de Ferreira Leite, nunca tinham baixado sequer um cêntimo? É o aumento do salário mínimo nacional para 600 euros? São os passes que dão às famílias um verdadeiro acesso aos transportes públicos?
Podia continuar, mas a conclusão está à vista: a direita está em crise e sem projeto político para o país. PSD e CDS acusam de eleitoralismo qualquer Orçamento que melhore as condições de redistribuição da riqueza nacional porque não têm nenhum programa para além da austeridade perpétua. A troika deixou o país, mas a direita ainda não fez o seu luto. O projeto da direita resume-se ao verbo “cortar” e ao mantra do “vivemos acima das nossas possibilidades”. Por isso, esperavam o diabo em 2016, suspiravam pela pressão europeia em 2017 e desesperam com o desempenho da economia em 2018. Acima de tudo, temem chegar a 2019 com a realidade a provar que não era inevitável que os nossos filhos tivessem uma vida pior do que a nossa.
Mas há outras contas a fazer, particularmente na subserviência do PS às metas europeias de défice. É aqui que Pacheco Pereira tem razão quando nos diz manietados por Bruxelas e pela Comissão Europeia. Este é o Orçamento de Bruxelas na parte em que o PS rejeitou libertar o país do peso da dívida e dos tratados que sufocam o Estado Social e a economia. Mas há uma parte do Orçamento que resiste e afronta a burocracia europeia quando aumenta o salário mínimo nacional, reduz o preço da eletricidade, descongela carreiras, aumenta pensões, reduz o valor das propinas ou apoia desempregados de longa duração. No fundo, a parte em que o PS é obrigado a negociar e a ceder à esquerda.
O caminho feito desde 2015 demonstra que é possível redistribuir a riqueza, recuperar rendimentos do trabalho e combater a pobreza. No entanto, como já foi identificado, há fragilidades estruturais que se mantêm. A começar pela recuperação urgente dos serviços públicos. A obsessão do PS pelas regras europeias e as suas metas de défice travaram o investimento público que se afigura necessário em setores chave como a saúde, os transportes públicos ou a educação. Mas, olhando para o saldo final, a atual solução política resgatou a confiança no futuro, no progresso e isso não é coisa pouca. Em parte, isso explica o insucesso da extrema-direita no nosso país. Quando há esperança no futuro e espaço para o progresso social, a insegurança, a instabilidade e o medo recuam – o caldo de onde se faz o biótopo do radicalismo de direita.
No último Orçamento da legislatura há a tentação de nomear “quem teve as vitórias políticas mais importantes”. Para mim, a resposta é clara: foi o povo português. Que teve a coragem de não ceder a chantagens. Mostrou que todos os votos são úteis e que podem fazer a diferença na definição das políticas públicas. Provou-se que a pluralidade traz mais benefícios do que qualquer maioria absoluta. Uma lição que deve ser inscrita na história do país.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico