Costa e a sorte que protege os audazes
A remodelação desta semana quer dizer muito do que António Costa espera deste último ano.
Não há um só português, independentemente das suas opções partidárias, que não reconheça o enorme talento político que António Costa transporta consigo. Não é fácil encontrar alguém que tenha uma estrela tão presente como a que escolheu Costa.
Costa sabe o que são derrotas. Isso aconteceu na Juventude Socialista, na Federação do PS de Lisboa, na Câmara de Loures, nas eleições legislativas de 2015. Também sabe o que são vitórias piquenas, como a primeira de Lisboa. Acontece que de todas saiu mais forte e num outro patamar de reconhecimento.
Não se importariam, os mais atentos estudiosos da psicologia política, de saber o que leva Costa a este biorritmo de guerras perdidas e de vitórias posteriores amplas, que se afirmam para além do seu espaço natural.
Todos os governos têm os seus altos e baixos. O presente, que nasceu de uma realidade política excêntrica, teve poucos momentos baixos, mesmo que pareça terem existido numerosos. O resultado, depois de três anos de exercício, é muito positivo, ainda mais porque nunca esperado.
Há duas caraterísticas que fazem dele uma “chaimite” invencível. A primeira é a presidencialização da ação política. Ela acontece por decorrência da personalidade de quem o lidera e verifica-se pela idiossincrasia dos que o integram. A segunda é a da gestão flexível das áreas governativas e das hierarquias. O que importa é que as coisas corram bem, independentemente de quem as resolve ou trata.
A tudo isto soma-se a duplicidade genética do chefe do Governo: disponível para todos; gestor de acordos com todos, limitador dos parceiros menores.
A remodelação que se verificou esta semana quer dizer muito do que espera Costa deste último ano. Claro que espera a aprovação do Orçamento; claro que espera que Centeno continue a garantir o espremer do défice e a redução da dívida; claro que espera que o PS ocupe tudo o que houver para ocupar, transformando-se no único partido capaz de ser governo por agora.
A alteração de protagonistas foi recheada de leituras sobre como se faz a guerra. Nela está o que se quer para que nenhum voto fique de fora. Acalmar os parceiros em áreas onde podem reivindicar ganhos, ampliar aos que, querendo investir, fazer negócios, ganhar dinheiro, criar emprego, não reconhecem mais ninguém, em tempo próximo, promovendo a ministro quem os entenda.
Sobre a substituição na Defesa Nacional temos uma limitação: vivemos por dentro os últimos meses. Mas entendemos o sinal, por agora e para o porvir, na escolha de João Gomes Cravinho. Há aqui uma transversalidade que poderá ser ponderada em orgânica futura, em tempo de reinício.
Na Cultura indica-se uma opção muito interessante. Porque ela pode determinar uma melhor gestão dos muitos agentes, porque ela se pode afirmar numa outra dimensão do digital, porque ela observará, sem qualquer dúvida, a comunicação social com a urgência que merece.
Na Saúde esperava-se com naturalidade uma substituição que havia sido pedida por Adalberto. Foram, são, tempos de grande exigência que reclamam outras energias e novas disponibilidades negociais. Afinal, o que é considerado referência, Correia de Campos, também foi “remodelado” e não deixou de se reforçar enquanto autoridade.
A Economia é um mundo a que chega Siza Vieira. Siza tem cultura invulgar, serenidade imensa, preparação de sobra e até tem condições para se sacrificar pela amizade. A Economia não vai ser só a economia, vai ser o ministério do crescimento, da inovação, da porta aberta para entrarem todos os que quiserem e que tenham ideias e fundos. A Economia será ainda o equilíbrio crescente do território, porque é também aqui que importa recuperar a iniciativa.
As equipas são muito do que os ministros quiserem. Há também nas escolhas dos secretários de Estado algumas leituras interessantes. Pelo menos os ministros e o chefe do Governo sabem que o “hábito faz o monge” desde que o monge seja prudente, inteligente e trabalhador. O governo transforma as pessoas. É simples falar ou escrever, é barato instigar televisivamente ou radicalizar para construir auditório. Governar é parar para ver o mundo de cima.
O Governo que agora temos demonstra ainda que Costa já tem os cenários todos para depois de outubro de 2019 bem presentes na sua cabeça. As equipas serão diferentes dependendo da existência de uma maioria absoluta ou se houver necessidade de acordos parlamentares. E também serão diferentes perante a nova realidade europeia que viveremos a partir do final do próximo ano. Por isso algumas transferências e, também por isso, a necessidade de pequenos acertos nos próximos meses.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico