Alternativa para a Alemanha? Há, mas é Verde
Construir uma democracia social e ambiental do nível local para o nível nacional, europeu e global é uma boa alternativa, e não só para a Alemanha.
Lembram-se do tempo em que se falava nas eleições na Baviera? Era quando elas não estavam a acontecer. Mas a narrativa era aquela que vende: os refugiados assustaram os bávaros, a AfD (partido de extrema-direita, Alternativa para a Alemanha) começou a crescer, a CSU (União Social-Cristã, aliado de Merkel em Berlim que governa a Baviera há mais de 40 anos quase sempre em maioria absoluta) a endurecer o discurso e a fazer ameaças de mandar abaixo a coligação governamental. O desfecho? Para o comentariado internacional, era evidente: as fronteiras iam fechar, Schengen colapsar e a Europa fragmentar-se. Devem ter-se gasto uns milhões de caracteres a repetir essa história.
Pergunto-me quantos caracteres se gastarão agora que as eleições bávaras aconteceram mesmo. Um décimo, um vigésimo dos que se gastaram antes? E porquê? Porque o resultado não encaixa nas expectativas, e em vez de reforçar a narrativa dominante, revela uma outra linha de força da política atual que está ali à vista de todos mas que muitos se recusam ver.
À hora a que escrevo ainda não se sabem os dados finais, mas os grandes vencedores das eleições bávaras são, afinal, os Verdes alemães. E uns Verdes com o discurso mais afastado possível da narrativa dominante: são uns Verdes pró-imigração, pró-refugiados e pró-projeto europeu. Na Baviera a sua votação deve andar à volta dos 20% e ultrapassar, ou mesmo duplicar, a dos Sociais-democratas do SPD. Mas também a nível nacional os Verdes alemães já aparecem em várias sondagens a ultrapassar so Sociais-democratas e a posicionarem-se como principal oposição ao governo da “Grande Coligação” entre a CDU de Merkel e o SPD.
E o fim-de-semana não foi só bom para os Verdes alemães. No Luxemburgo os Verdes (do luso-descendente Féliz Braz, que foi ministro da justiça no atual governo nacional) tiveram o melhor resultado dos partidos da coligação governativa, em torno dos 15%, e preparam-se para ser o principal partido da esquerda (com os seus aliados a nível europeu do Partido Pirata, a votação aproxima-se dos 20%). Na Flandres os Verdes foram o partido que mais subiu nas eleições regionais deste domingo. E, não esqueçamos, esta tendência reflete o que já tinha acontecido nos Países Baixos, onde durante meses a imprensa andou a falar do partido de extrema-direita de Geert Wilders mas no dia das eleições a grande surpresa foi a Esquerda Verde de Jesse Klaver, pró-imigração e ele próprio filho de um pai imigrante marroquino e de uma mãe holandesa-indonésia.
A partir daqui, há duas perguntas a fazer: o que explica esta tendência, e o que explica que quase ninguém fale nela?
A resposta à primeira pergunta está no artigo que a jornalista Maria João Guimarães escreveu ontem aqui para o Público: os Verdes não fizeram ziguezagues em relação aos seus valores e princípios. Perante a ascensão da extrema-direita nacionalista, os outros partidos, da direita à esquerda, optaram por dizer tudo e o seu contrário (que a imigração era um problema e não era) acabando por perder a confiança de toda a gente. Uma deriva que está também muito clara na viragem nacionalista que Sarah Wagenknecht propõe para o partido de esquerda Die Linke, que não só estagnou nas sondagens como acaba por anestesiar o seu eleitorado tradicional para os temas da AfD (e falhou a eleição na Baviera). Os Liberais, que também endureceram o seu discurso insolidário, podem também falhar a barreira de cinco por cento e, consequentemente, a sua eleição para o parlamento bávaro.
Os Verdes, por seu lado, mantiveram-se estáveis na sua linha social, ecológica, cosmopolita e pró-europeia. Não tinham muito outra hipótese, diga-se de passagem: a única maneira de se ser ecologista é, como dizia o velho slogan, pensar global e agir local. Isso dá-lhes a força das suas convicções não só nas grandes cidades com em várias zonas rurais (não só na Baviera, mas desde há muitos anos no vizinho Tirol, do outro lado da fronteira com a Áustria).
A segunda pergunta é mais difícil. Porque é que ninguém fala disto? Porque vai contra o senso comum dominante entre os comentadores e políticos atuais, que se resume na ideia de que se os setores mais conservadores da política são vociferantes é necessário ir atrás do seu discurso antes que eles nos “roubem o povo”. Perante as atuais crises globais, o egoísmo é uma solução clara — mas errada. Construir uma democracia social e ambiental do nível local para o nível nacional, europeu e global também é uma resposta clara. Pode demorar mais tempo a ter sucesso eleitoral, mas não é por isso que a podemos abandonar. E é a resposta generosa, com a vantagem de ser correta para os tempos que vivemos.
É uma boa alternativa, e não só para a Alemanha.