Famílias travam investimento nos produtos de poupança do Estado
A procura dos particulares pelos Certificados do Tesouro arrefeceu desde Outubro do ano passado, quando o Estado mudou o produto e cortou na remuneração. Certificados de Aforro estão a cair desde o final de 2016.
No último ano, a estratégia de financiamento do Estado privilegiou mais o mercado da dívida pública, em detrimento das famílias. A evolução dos produtos de poupança do Estado orientados para os particulares reflecte isso mesmo, um claro arrefecimento.
A procura por parte das famílias diminuiu a partir de Outubro do ano passado, mês em que os Certificados do Tesouro Poupança Mais (CTPM) foram substituídos pelos Certificados do Tesouro Poupança Crescimento (CTPC), com remunerações menos favoráveis.
Nos meses anteriores à troca dos CTPM pelos CTPC o valor global aplicado pelos particulares nestes produtos subia um ritmo de 2% a 3% (o pico deu-se no mês em que se anunciou o fim dos CTPM, com um crescimento de 4% em Outubro quando entraram 596 milhões e saíram apenas 23), mas abrandou depois para 1% ou menos nos meses seguintes à mudança decidida pelo IGCP, a agência do Estado que gere a dívida pública.
Em Agosto deste ano (últimos dados oficiais disponíveis), estavam aplicados 16,1 mil milhões de euros em Certificados do Tesouro (CT), mais 8% face a Outubro do ano passado. Nos dez meses anteriores à troca dos CTPM (cujo prazo foi alargado de cinco para sete anos) pelos CTPC, a subida tinha sido três vezes superior.
Mesmo com uma remuneração inferior face ao seu antecessor, os CTPC são mais atractivos que os Certificados de Aforro (CA), que estão indexados à Euribor a três meses, actualmente em valores negativos, o que reduz a rentabilidade. Uns e outros são mais atractivos que a maioria dos depósitos a prazo. Ainda assim, após uma tendência de subidas ligeiras que vinha desde Maio de 2013 (altura em que o consumo estava em queda no âmbito da intervenção da troika, e quem podia poupava mais), o montante global de CA começou a descer em Novembro de 2016, com os resgastes a superarem as subscrições.
No passado mês de Agosto, o stock dos CA representavam 11,9 mil milhões de euros, contra os 16,1 mil milhões dos certificados do Tesouro (até Março de 2017 o valor dos CA ultrapassava o dos CT). Ao todo, os particulares têm 28 mil milhões de euros aplicados em certificados, o que equivale a 11,4% do total de dívida pública.
OTRV encolhem
A emissão de Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV), outro instrumento doméstico de financiamento do Estado também evidencia o menor recurso aos particulares. Depois de seis emissões em 2016 e 2017, no corrente ano apenas se registou uma, com uma taxa de juro, na parte fixa, bem menor que as anteriores, e uma procura que superou bastante a oferta. A remuneração final depende da evolução da Euribor a seis meses, actualmente em valor negativo. E a emissão realizada em 2018 tem uma maturidade de sete anos, contra as anteriores, cujo prazo é de cinco anos, o que aumenta o grau de incerteza face ao custo para o Estado.
É precisamente a incerteza da evolução da Euribor e a redução das actuais taxas no mercado de dívida pública que explicam a travagem neste produto, como explicou ao PÚBLICO o director da Gestão de Activos do Banco Carregosa. “É uma questão de gestão da curva da dívida portuguesa, por parte do IGCP. As OTRV têm uma taxa variável e, se os juros subirem, o encargo do Estado aumenta”, avança Filipe Silva, acrescentando que as Obrigações do Tesouro, o principal instrumento de financiamento do Estado, “têm uma taxa fixa e têm uma maturidade mais longa”. Assim, conclui, “é natural que, no âmbito da gestão da dívida pública, se prefira ter dívida longa a taxas historicamente baixas e fixas”.
Com a proposta do Orçamento do Estado para 2019 que será apresentada esta segunda-feira no Parlamento ficar-se-á a saber quais as perspectivas do Governo em termos de necessidades financiamento, e qual o peso que prevê para os pequenos investidores.
Para este ano, estava previsto que fossem arrecadados mil milhões em termos líquidos, dos quais 750 milhões em CT e o restante em CA. Este valor ficou claramente abaixo dos 2,8 mil milhões de 2017 e dos 3,5 mil milhões de 2016 efectivamente arrecadados (segundo dados do IGCP), anos em que o Estado optou por recorrer mais às famílias para se financiar. No caso das OTRV, estas representaram 3,5 mil milhões em 2016 e em 2017, e previam-se 750 milhões para este ano (o valor está nos mil milhões).
As necessidades de financiamento do Estado também se reduziram este ano, mas a um ritmo menor da descida ligada aos pequenos investidores.
CTT tentam recuperar
O principal intermediário na venda de certificados do Estado, os CTT, tem-se ressentido do arrefecimento da procura. No relatório e contas do primeiro semestre, a empresa liderada por Francisco Lacerda deu nota de um decréscimo no segmento de serviços financeiros, destacando o efeito negativo da “diminuição da colocação de um dos produtos de dívida pública que foi substituído por outro de rendimento inferior”.
De acordo com os CTT, os valores movimentados na emissão de títulos de dívida “caíram 52,6%, representando uma quebra nas comissões de 9,4 milhões de euros (-56,6%)”. Ao todo, com outras rubricas, os serviços financeiros caíram 31,7%, para 20,2 milhões de euros. A empresa diz ainda que a comissão recebida “para a comercialização deste produto do IGCP reduziu-se em 0,05%” no passado mês de Maio.
Nesta conjuntura, os CTT começaram a desenvolver várias iniciativas comerciais para promover este produto do Estado e recuperar as colocações de dívida pública junto dos particulares, tendo “conseguido uma recuperação entre o primeiro e o segundo trimestres”, em que a redução foi menos acentuada.
Em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, fonte oficial da empresa fala agora de um balanço “muito positivo” das iniciativas desenvolvidas, com “uma recuperação significativa” nas aplicações dos aforradores. “Vamos manter o plano de acções uma vez que o volume de aplicações com juros de 0% ou próximos de 0% ainda é significativo”, refere a mesma fonte, destacando as vantagens dos certificados face a outros produtos do mercado.
“Historicamente, houve sempre variações importantes nas colocações nos momentos de mudança nas taxas dos produtos de dívida pública”, adianta a mesma fonte, acrescentando que “a tendência de queda apenas se verificou no momento da alteração das taxas”. Depois, refere, as colocações de dívida “estabilizaram” no primeiro trimestre e “desde então têm vindo a recuperar”, no que diz ser um “perfil habitual” deste tipo de ciclos.
Falta saber se os valores voltam ao ritmo a que estavam no período anterior a Outubro do ano passado. De acordo com os dados enviados ao PÚBLICO pelo IGCP, o saldo vivo dos CTPC estava nos 1,7 mil milhões de euros em Setembro.
Espaços Cidadão "em avaliação"
Além da extensa rede dos CTT, desde o final de Outubro do ano passado já é possível adquirir os produtos de poupança do Estado nos balcões disponíveis em vários Espaços Cidadão. No entanto, os resultados ficaram abaixo das expectativas do Estado. Apesar de não avançar dados concretos, o IGCP diz que o novo canal de distribuição, inaugurado há um ano, “tem tido pouca adesão, apesar da facilidade de subscrição de produtos do Tesouro estar disponível em vários espaços”, designadamente os que têm “mais tráfego”.
A estratégia, que colocou um ponto final na exclusividade dos CTT em termos de rede física, teve início a 31 de Outubro do ano passado, abrangendo dez espaços no mesmo número de cidades. Depois, o universo foi alargado, contando actualmente com 31 pontos de venda em 30 localidades (Lisboa tem duas unidades).
Neste momento, de acordo com o IGCP, a iniciativa está “em processo de avaliação”, sem adiantar mais detalhes sobre as várias hipóteses em cima da mesa.