Um salvo-conduto para o filho de Obiang
O salvo-conduto diplomático de Teodorin Obiang já não funciona no Brasil. Está queimado no "país-irmão". O filho do ditador vai ter que encontrar novo posto.
Bem sei que na semana passada falei do bom conselho que recebi para não “perder tempo com Teodorin Obiang”, o filho mais velho do ditador da Guiné Equatorial. Mas não resisto.
Hoje que o nosso novo “irmão da CPLP” celebra 50 anos de independência, fui ver as novidades policiais dos últimos dias. Houve avanços no caso do Brasil. Em Setembro, ao ler sobre o que a “comitiva” de Teodorin Obiang tinha na mala ao aterrar em Viracopos, São Paulo, percebeu-se logo que o caso estava a começar. Talvez contra a sua expectativa — e seguramente contra a sua vontade —, as autoridades alfandegárias brasileiras abriram as malas de Teodorin após quatro horas de negociações para obterem as chaves. Bingo. Numa encontraram 1,5 milhões de dólares em cash; nas outras estavam 20 relógios no valor de 15 milhões. Um deles, vi na TV Globo, tem a bracelete coberta de diamantes e uma tampa de diamantes cobre o mostrador. Não parece prático. O governo de Malabo disse que eram de uso pessoal do vice-Presidente e que o dinheiro era para pagar tratamentos médicos que ia fazer no Brasil.
Esta semana a polícia federal fez uma busca à penthouse triplex de 1000 m² que Teodorin Obiang comprou nos Jardins, um bairro chique de São Paulo. A casa custou três milhões de euros em 2008 (hoje está avaliada em 14 milhões), mas não terá sido isso que suscitou a curiosidade dos investigadores. Foi por causa dos papéis: o apartamento foi comprado e registado não em nome de Obiang ou do governo de Malabo, mas em nome da empresa Nova Forma Soluções Imobiliárias, que tem sede em Jundiaí, no interior do estado de São Paulo, e um capital social de dois mil euros. Para adensar a suspeita de branqueamento e lavagem de dinheiro, o triplex terá sido alugado à própria embaixada da Guiné Equatorial e no triplex não há actividade diplomática.
Basta ir ao Google maps para ver que a Rua Haddock Lobo, nos Jardins, onde é o apartamento de São Paulo, e a Rua Dr. Emílio Ribas, em Cambuí, Campinas, onde funciona o consulado equato-guineense de São Paulo, estão a 100 quilómetros uma da outra.
A polícia federal concluiu que o apartamento não é uma extensão da embaixada e por isso não estava protegido pela imunidade diplomática. Do mesmo modo, se ia ao médico, Teodorin estava em visita particular e sem a protecção da Convenção de Viena.
Tudo começou com uma zanga de vizinhos. Foi a vizinha de baixo da casa dos Jardins cujas paredes estavam a ficar cheias de rachas que abriu a caixa de pandora. Segundo a imprensa brasileira, Teodorin estava a blindar as portas do triplex e as obras perturbaram a estrutura. O condomínio embargou as obras.
A investigação começou em Março e explicará a decisão da polícia de, cinco meses depois, ao vê-lo regressar ao Brasil, querer ver as malas por dentro. Esta semana, houve buscas a oito moradas ligadas a Obiang no Brasil: em São Paulo, Hortolândia, Jundiaí e Brasília. A justiça federal também bloqueou seis carros de luxo de Teodorin, entre os quais um Lamborghini, um Maserati, um Porsche, um Mercedes, um Ford Fusion e um Hyundai Santa Fé. A polícia federal emitiu uma nota oficial: “São apurados dois actos de lavagem de dinheiro: o primeiro relativo à aquisição, por meio de interposta pessoa, de um apartamento de luxo; o segundo relacionado com a ocultação de movimentação de bens e valores ao entrar no Brasil.”
A polícia também ficou perplexa ao descobrir que quando o dinheiro e os relógios foram apreendidos no aeroporto de Viracopos, alguém pediu a Claudinei Assis Ceconelli para ir à garagem do triplex dos Jardins tirar quatro carros e levá-los para Brasília. Segundo a polícia, a empresa que transportou os carros entregou-os na morada que corresponde à embaixada da Guiné Equatorial em Brasília. A operação policial já tem nome: Salvo Conduto. Está bem visto. Claro que o salvo-conduto já não funciona no Brasil. Está queimado. Obiang Jr. vai ter que encontrar novo posto.
Em circunstâncias normais, estaríamos a falar de uma crise diplomática entre dois países-irmãos da CPLP. Como se trata de Teodorin Obiang, é um caso de polícia.