Haddad tenta livrar-se da sombra de Lula para ir atrás do centro
O candidato do PT não vai voltar a visitar o ex-Presidente preso e Bolsonaro pisca o olho ao Nordeste. O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou que não irá apoiar nenhuma das candidaturas.
A política tanto é feita de gestos grandiosos como de sinais subtis. Os primeiros passos dos candidatos à presidência brasileira têm sido pequenos mas apontam para mudanças nas suas estratégias. O objectivo será grandioso para qualquer um deles.
Ao sair da visita semanal a Lula da Silva, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, escolheu dar uma conferência de imprensa não à porta do edifício da Polícia Federal onde o ex-Presidente está preso há meio ano, como tem feito desde que a campanha começou, mas sim num hotel no centro de Curitiba. É um sinal subtil que os analistas interpretam como uma forma de Haddad, cuja campanha assentou na sua identificação com Lula, se autonomizar para conquistar um novo eleitorado a 28 de Outubro.
Ao PÚBLICO, o ex-ministro do PT e professor de Filosofia da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, confessa não saber o que se passa no seio do partido, mas tudo indica que está hoje dividido. “Haddad só chegou onde chegou por ter apoio do Lula. Por outro lado, ele não passa disso se tiver apenas o apoio do Lula”, diz, por telefone a partir de São Paulo. Ribeiro imagina que Lula até pode ter dito ao herdeiro político para se afastar e se afirmar como candidato autónomo. “O Lula é muito sagaz”, lembra. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, confirmou na terça-feira que o próprio Lula lhe disse que Haddad "não precisa mais vir" a Curitiba.
Para vencer Bolsonaro, recuperando de um fosso de 17 milhões de votos, Haddad terá de fazer o que nunca foi feito em eleições presidenciais: vencer uma segunda volta depois de ter perdido na primeira. Para isso, dizem muitos analistas, terá de apresentar sinais de moderação no seu programa para apelar ao eleitorado mais centrista e mais relutante em votar no PT.
Na primeira entrevista que concedeu após a primeira volta, Haddad começou logo por recuar numa das propostas do programa “petista”: a convocatória de uma Assembleia Constituinte. “Revimos o nosso posicionamento”, assumiu o candidato em entrevista ao Jornal Nacional da TV Globo. Haddad aproveitou ainda para se distanciar do ex-ministro “petista” José Dirceu, que numa entrevista recente falou em “tomar o poder” – declarações que foram aproveitadas por apoiantes de Jair Bolsonaro para acusarem o PT de autoritarismo. “Dirceu não participa na minha campanha nem participará do meu governo”, garantiu.
A sua candidatura já recebeu o apoio do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e de Ciro Gomes, que ficou em terceiro lugar na primeira volta. Mas Haddad tem procurado reunir mais aliados para uma “ampla aliança democrática”, entre os quais o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), contra quem o PT disputou eleições presidenciais nas últimas duas décadas.
Atrair os “tucanos” não será tarefa fácil. O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso veio a público negar notícias que davam como certo o seu apoio a Haddad. “Mentira: nem o PT nem Bolsonaro explicitaram compromisso com o que creio”, afirmou o ex-Presidente, que aos 87 anos permanece uma figura respeitada no panorama político brasileiro. A sua posição espelha o que pensa grande parte do eleitorado que, apesar de rejeitar Bolsonaro, culpa o PT pela crise económica que se abateu sobre o país e teme o seu regresso ao poder.
No PSDB também haverá algum cuidado em manifestar apoio a Haddad por considerações eleitorais. Depois da hecatombe nas presidenciais – onde Geraldo Alckmin não chegou sequer a 5% – e para o Congresso, o segundo turno para os governos estaduais de São Paulo e Minas Gerais tornaram-se vitais. O receio em prejudicar os seus candidatos, diz Renato Janine Ribeiro, “talvez leve o PSDB uma neutralidade que é suicida”. O candidato do partido a governador de São Paulo, João Doria, adiantou-se e já manifestou a apoio a Bolsonaro.
Rumo ao Nordeste
Tal como Haddad, o seu rival também aproveitou a primeira entrevista após a primeira volta para dar sinais da estratégia que pretende seguir. Na Globo, Bolsonaro voltou a criticar o seu companheiro de “chapa”, o general na reserva Hamilton Mourão, que durante a campanha cometeu várias gaffes, incluindo ter dito ser contra o pagamento de subsídio de férias. “Ele é general, eu sou capitão. Mas eu sou o Presidente”, afirmou Bolsonaro.
A aposta do candidato do Partido Social Liberal (PSL), que vai voltar às acções de rua depois de ter passado a campanha da primeira volta hospitalizado, será no Nordeste, onde estão os estados menos desenvolvidos do país e onde Haddad saiu vencedor. Bolsonaro voltou ainda a garantir que não pretende acabar com o programa Bolsa Família, criado pelo governo de Lula, ao contrário do que tinha afirmado anteriormente.
Os analistas antecipam uma postura mais moderada por parte de Bolsonaro, na tentativa de captar mais votos para assegurar a vitória no dia 28. Depois de ter passado a campanha da primeira volta ausente dos debates, o candidato de extrema-direita terá agora de participar nos confrontos com Haddad e aí o objectivo é não errar.
Bolsonaro recebeu um aviso forte por parte de uma das suas mais importantes apoiantes, a advogada Janaina Paschoal, que se notabilizou por ter apresentado a queixa que iria dar origem à destituição de Dilma Rousseff, e que foi eleita deputada estadual em São Paulo com a maior votação de sempre. Questionada sobre a hipótese de Bolsonaro se poder vir a mostrar um Presidente autoritário, a deputada disse não acreditar nisso. “Mas se amanhã ele sinalizar um caminho diferente, vou ficar na oposição”, garantiu.
No jogo dos apoios, Bolsonaro recebeu uma notícia inesperada. O partido Novo, de João Amôedo, candidato que alcançou mais de 2% dos votos nas presidenciais, revelou que irá manter a neutralidade na segunda volta, contrariando a expectativa de que iria apoiar a candidatura do ex-capitão.