À procura do “trabalhador-unicórnio”
As empresas querem bom, bonito e barato. Os candidatos querem ascensão rápida ou, pelo menos, salários condizentes com o que fazem. Mas a formação para executivos deixou de ser uma espécie de via verde para uma promoção. Nem todos percebem este desencontro, ao qual as escolas de negócio tentam responder.
Quando estão à procura de um quadro médio ou superior, uma empresa comporta-se como um típico consumidor: quer um produto BBB – bom, bonito e barato. O problema para as empresas é que o “trabalhador-unicórnio”, como lhe chama Pedro Rebelo, da Wise Talent Partner, não existe. E não é porque falte talento em Portugal, mas sim porque “as empresas arriscam pouco e ficam muitas vezes agarradas àquilo que idealizam”.
“Muitas empresas vivem nessa síndrome do ‘candidato-unicórnio’, que tem 30 anos, fala cinco línguas e sabe tudo e mais alguma coisa – o que não é possível. E depois querem muitos desses candidatos, ao menor preço – e assim não se encontra talento de certeza”, diz o fundador da Wise Talent Partner (Lisboa) que, entre outras coisas, ajuda empresas a encontrar quadros de topo e intermédios.
A crescente popularidade das escolas de negócio também encontra aí a sua razão de ser, a busca do aperfeiçoamento. Algo em que acreditam também os recrutadores, porque “a formação executiva continua a ser um factor diferenciador na contratação de gestores”, salienta Rosa Carreto, Talent Acquisition Manager num dos importantes grupos empresariais de Portugal, o grupo Visabeira. Porém, o mundo mudou. Se há 15 anos, se pensaria num MBA “como um atalho para chegar a director-geral” na empresa, “hoje quem pensa assim corre sérios riscos de sair defraudado”, destaca Pedro Rebelo, por seu lado.
Talvez a maior mudança seja esta: “Hoje olha-se mais para pessoas do que para currículos.” Quem o diz é Rita Marques, actual CEO da Portugal Ventures, uma sociedade de capital de risco que investe em novas empresas e ajuda a desenvolver negócios. Contudo, ainda há demasiados recrutadores afundados em conceitos ultrapassados – a gestão “à Jack Welch” e dos anos 80, o modelo de empresa em silos ou “quintinhas” em que cada chefe puxa a brasa à sua sardinha e nem todos remam para o mesmo lado, observa Pedro Rebelo.
Um dilema aparente?
Mesmo que o mundo do recrutamento se tenha adaptado – com o recrutamento entregue às necessidades de curto prazo (e tácticas) e a aquisição de talento focado nas necessidades de longo prazo (e estratégicas), muitos departamentos de Recursos Humanos (RH) “limitam-se a ser prestadores de serviço”, acrescenta Rebelo, que defende “um casamento entre os RH e o Marketing”. Resultado? Há pessoas capazes que não chegam lá, porque pelo contrário são BBC (bons, bonitos e caros); e há candidatos BBB que não conseguem entregar à empresa aquilo de que ela necessita e que eles, no papel, até prometiam.
Segundo resultado: fica a ideia de que há um défice de talento de gestão em Portugal. Para Rosa Carreto é “uma questão global e de perspectiva”, e para Jorge Rodrigues, director de Operações da Critical Software (Coimbra) é uma realidade igual à de outras economias. “Sente-se de facto esse défice, mas não é claro que seja diferente dos países que consideramos mais desenvolvidos”, destaca este último responsável.
Uma conclusão possível é a de que o alegado défice pode ser apenas aparente e as razões desta percepção podem estar ligadas às expectativas irrealistas de muitas empresas, que procuram incessantemente o candidato BBB e, nessa correria, deitam fora outros que não deveriam ser excluídos. Pedro Rebelo descreve sucintamente esta realidade: “Cada vez mais há pessoas mais velhas disponíveis para novos desafios, mas que não encontram saídas, porque as empresas querem recrutar pessoas bastante mais novas, mas com a mesma experiência das mais velhas. Há aqui algo que não vai bater certo.” Já para Patrícia Peras, partner da Bravemind (Lisboa) – uma empresa de consultoria na área dos Recursos Humanos –, “o défice de talento na área de gestão existe: não por falta de recursos, mas sim por falta de competências importantes para o sucesso das empresas”. E é aí que a resposta ao dilema pode caber às escolas de negócios.
Seja porque as empresas querem o trabalhador impossível, seja porque a chegada dos millennials ao mercado profissional acelerou uma mutação que já estava em curso devido à crescente digitalização do trabalho, uns e outros, mais velhos e mais novos, viram-se muitas vezes para a formação. Para os primeiros, é muitas vezes um regresso à escola em busca das tais competências novas e globais que lhes estão a ser pedidas. Para os segundos, é um suplemento de educação formal com o qual pretendem consolidar a formação de base e, num caso ou outro, diferenciar-se dos demais da mesma geração e acelerar a passagem pela condição de júnior nas respectivas empresas.
Nessa perspectiva, diz Pedro Rebelo, “um MBA vai manter valor sempre”, porque como refere também o director de Recursos Humanos da Bial (Porto), José Carlos Ferreira, muitos dos cursos das escolas de negócio são “um complemento importante para desenvolver competências mais abrangentes de gestão”.
Nesta empresa farmacêutica, onde 75% dos trabalhadores tem formação superior e 9% é doutorada, “a formação para executivos é patrocinada sempre que algum colaborador migra para funções de gestão de negócio ou de liderança de equipas”. O mesmo acontece em muitas outras empresas e grupos nacionais, que tal como a Bial, têm investido numa proximidade às escolas de negócio cada vez maior – por vezes até ao ponto de se tornarem “clientes” para a formação e, em simultâneo, patrocinadores das escolas ou de cursos. É o caso da EDP ou do grupo SONAE e de muitas instituições da banca, de diferentes sectores industriais, bem como empresas de consultoria e de grande consumo, que são ao mesmo tempo as que mais profissionais contratam e que mais apoio dão ao desenvolvimento de escolas e cursos portugueses que lutam por um lugar entre os melhores em termos internacionais.
Tal como a Critical Software, que nasceu em Coimbra e se expandiu ao território nacional e internacional, a Altran é uma empresa de cariz tecnológico. E tal como outras empresas com este perfil, quando a Altran quer contratar, olha primeiro para as “características tecnológicas” dos candidatos, refere o director de Recursos Humanos desta empresa de engenharia, Ricardo Machado.
Mesmo assim, a formação em gestão, por exemplo, “também acaba por ser uma mais-valia” para candidatos à entrada na carreira técnica, porque na Altran, que nasceu em França e tem uma forte presença internacional (incluindo Portugal), se “trabalha muito directamente com o cliente”. O que significa, acrescenta Ricardo Machado, que “as capacidades de comunicar, de entender o que o cliente deseja, de transformar um conceito numa ideia [de negócio] acabam por ser factores fundamentais”. E, para este responsável, “as escolas de negócios trazem, de forma genérica, estas competências às pessoas que as frequentam”. “É um factor adicional à nossa escolha” por um candidato, resume, anotando que quem está numa carreira técnica ganha uma visão mais clara do que pode ser “o impacto das decisões sobre o negócio”.
Empresas mais exigentes
Dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência mostram que a empregabilidade nos cursos de Gestão (1.º ciclo) é elevada em Lisboa e no Porto. A percentagem de desempregados dos diplomados de Gestão nas principais escolas públicas destas cidades é menos de metade da percentagem de desempregados entre o total das quase 150 mil pessoas que se diplomaram entre 2013 e 2016 em Portugal. Mas tipicamente não são estes os grandes clientes das escolas de negócio, que são muito procuradas por profissionais de carreiras técnicas (engenheiros e cientistas), que ali procuram o tal complemento.
Porém, como refere Jorge Rodrigues, da Critical, se é verdade que “um curso de gestão geral acrescenta valor a quem tenha uma experiência prévia relevante” noutra área de actuação, ele “não transforma alguém inexperiente num gestor experimentado”. Por essa razão, como diz Rosa Carreto, da Visabeira, “hoje a formação de executivos não pode ter como propósito uma rápida ascensão de carreira, mas sim o enriquecimento profissional”. Ainda que as universidades portuguesas se tenham ajustado ao mercado, relançando programas e posicionando-se a nível internacional, acrescenta esta responsável, é “uma boa formação de base e um trajecto profissional sólido”, aliados à “capacidade de liderança, organização e resiliência” que pode levar um trabalhador a distinguir-se dos demais.
Na incessante busca por se transformar no tal “candidato-unicórnio”, “os requisitos das empresas que recrutam são cada vez mais exigentes” e as competências mais valorizadas são “flexibilidade e mobilidade” – sobretudo entre startups, salienta Patrícia Peras, da Bravemind.
Nalguns pontos, todos os contactados para esta reportagem estão de acordo: a qualidade das escolas portuguesas é merecidamente reconhecida; há uma grande falta de profissionais em carreiras técnicas – o que afecta empresas como a Bial, a Altran e a Critical (segundo Patrícia Peras “há 15 mil postos de trabalho nas áreas tecnológicas em aberto”); as áreas de expansão passam pela automação, pela gestão de operações, pela digitalização e também pelas chamadas soft skills, que sempre tiveram presença nas escolas de negócio e que têm vindo a ganhar peso, como a capacidade de gerir a mudança.
É nesta conjuntura que candidatos e recrutadores continuam a olhar para as escolas como um caminho rumo ao Eldorado dos negócios. Chegar lá vai exigir mais do que um exército de unicórnios até porque o mundo empresarial, permanentemente confrontado com a realidade, é talvez o único que, ao contrário de outros sectores da sociedade, não se pode dar ao luxo de viver na ficção.