Há mais de 3000 consumidores de droga no Porto e em Gaia. Consumo é mais escondido

Associações alertam situações mais frequentes de “solidão extrema” entre os consumidores de droga.

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Paulo Pimenta

Maioritariamente homens, na casa dos 30, 40 e mais anos e vidas desestruturadas. Muitos reincidentes nos opiáceos durante a crise, com comorbilidades várias e fraca confiança nas estruturas de saúde. Há uma tendência para o isolamento. Cerca de 80% estão em situação de sem-abrigo. Este é um retrato de uma parte significativa das mais de 3000 pessoas que consomem e/ou compram droga no Porto e Gaia, identificadas pelas associações que intervêm junto da população toxicodependente. E serviu de base à proposta que desenvolveram de criação de salas de consumo assistido.

Outros não hão-de encaixar nesta descrição, por terem vidas estruturadas e irem comprar a dose ao fim de um dia de trabalho, ou por serem jovens, muitos estudantes, descreve Raquel Rebelo, directora de Projectos do Norte e Centro da Médicos do Mundo.

“Quer no Porto, quer em Gaia, continuamos a ter consumo a céu aberto. Em Gaia, são pequenos nichos, em matas, casas e fábricas abandonadas, mas existem. São locais onde continuam a existir pessoas e muitos vestígios de consumo”, caracteriza Teresa Sousa, técnica da GIRU Gaia, equipa da Apdes que intervém junto de consumidores de droga. A negação desta realidade é frequente no discurso público, refere, o que contribui para um isolamento de populações já de si propensas a viver à margem.

Como o modelo português advoga pelo seu brilhantismo, a população de utilizadores passou a ser um bocado invisível. Há muitas situações que encontramos diariamente mais dramáticas e mais intensas do que muitas das que víamos nos anos 80, em que todos os holofotes estavam virados para a questão”, vinca Rui Coimbra, presidente da associação Caso — Consumidores Associados Sobrevivem Organizados. “Agora vê-se cada vez mais as situações de solidão extrema.” E, apesar do aumento do consumo fumado, em detrimento da injecção, “continuamos a ver consumo injectado em condições muito degradantes”, continua Rui Coimbra. 

“Há uma tendência para recobrir esta população. Ouvimos muitos activistas a dizer ‘Nós somos escondidos por vocês’, porque muitas vezes as respostas são de tal forma tecnocratas e estigmatizantes que as pessoas fogem”, traça José Queiroz, director da Apdes. É normal que o façam quando “os serviços que dizem promover o acesso ao tratamento, por exemplo, começam por condicionar o sujeito, moralizar o seu comportamento e estilo de vida”. “Ninguém quer ter um juiz moral em cima dos seus actos.”

A maioria dos consumidores concentra-se na zona ocidental do Porto (Pinheiro Torres, Pasteleira, Aleixo, Aldoar, Foz, Nevogilde, Francos, Ramalde), onde tem havido um aumento. Enquanto os dados de 2015, do SICAD, apontavam para as 1500 pessoas, o cruzamento das bases de dados das várias equipas de rua chegou às 2500, entre Março de 2017 e Abril de 2018. No centro histórico as equipas identificaram 430 consumidores. Em Gaia, 126. O crack, cocaína solidificada em cristais, é tendencialmente a droga de eleição de quem consome e compra no Porto e Gaia. Mas há nuances consoante a geografia. “Em Gaia e na zona histórica do Porto, a primeira substância de consumo é a heroína. O crack é predominante no Cerco. E o Aleixo é o local onde temos mais consumidores registados com base de cocaína”, indica Raquel Rebelo.

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