Pedro Nuno Santos corre na pista cada vez mais à esquerda de Costa
Pedro Nuno Santos quer "resgatar" a "liberdade" de que a direita se apropriou. Socialista foi à Associação 25 de Abril abrir um leque de vocabulário e pensamentos cada vez mais à esquerda.
Em Maio começou a dessintonia em público. Enquanto António Costa colocava o PS como partido charneira, virando-se para a esquerda para governar e para a direita para fazer aprovações pontuais, Pedro Nuno Santos era a voz que puxava para a esquerda naquele congresso dos socialistas.
Mais do que declarar amor aos partidos com os quais lida no dia-a-dia enquanto secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, fazia uma demarcação clara para PSD e CDS, criando uma barricada difícil de ultrapassar. Nesta terça-feira, um dia depois de António Costa negar a possibilidade de ir para o Governo com PCP e BE, dizendo querer uma "amizade" e não um "casamento" com eles, Pedro Nuno Santos quase que lhes deixa um pedido de matrimónio para um futuro que auspicia para si e deixa uma certeza sobre com quem não casará: "O PS pode um dia governar com a direita. Não será comigo, isso eu posso garantir".
O ambiente era propício a declarações acalentadas. De gravata vermelha, a condizer com o cravo na mesa, este governante que nasceu em Abril, mas já depois de 74, e filho de pais que se casaram no dia 25 de Abril de 1976, o que contribuiu, disse, para lhe ir moldando os valores, falava num almoço para os sócios da Associação 25 de Abril. Estes, contentes e satisfeitos com o discurso do governante, decidiram deixar-lhe alertas de perigo: "Tenha cuidado, não se deixe apanhar pela outra 'geringonça' do PS".
Essa outra "geringonça" a que se referia Jorge Caetano é aquela que puxa o PS para o centro. "O problema do PS é o próprio PS. Se se conseguirem manter nessa linha, vão ter êxito", rematou o conselheiro. Já Vasco Lourenço, o presidente da associação, quer um sucesso q.b para o PS, que ganhe, mas "que não tenha maioria absoluta".
Pedro Nuno ouviu e respondeu que tem as suas políticas de alianças bem definidas e que também não acredita que o partido pense diferente de si. Tem a "convicção" de que o PS rejeitaria um casamento com PSD ou CDS, mas, além disso, acha "difícil alguém assumir e ter sucesso a defender uma solução desse tipo no partido, que está satisfeito e reconciliado" com a solução governativa.
Neste caminho que faz até um futuro que outros vêem para si, ou não tivesse sido apresentado como possível futuro líder do PS, e que não esconde que quer, mesmo que através de alguns deslizes, Pedro Nuno vai fazendo uma definição ideológica do que defende. Depois de citar Marx em Maio, agora cita Kennedy, lembra Corbyn e Sanders e vai priorizando os principais problemas que quer resolver: à cabeça, a habitação, a precariedade e os transportes públicos. Áreas onde foi cometido um erro: o Estado entrou pouco.
Para o socialista, neste momento trava-se uma "luta" que tem de ser assente na "ideia de comunidade" e essa só é possível se o Estado for mais forte nas áreas essenciais. "É o Estado que garante a liberdade a todos. É a escola pública que garante a liberdade", exemplificou.
Essa "luta" trava-se numa trincheira oposta à dos partidos da direita. São eles, neste discurso, uma espécie de inimigo. "A direita quer apropriar-se do valor de liberdade", mas esse discurso de liberdade, que enaltece o individualismo e não pensa na comunidade, referiu, "serve para que o Estado se vá retirando das suas funções sociais". Perante alguns militares, o socialista não tem dúvidas de que a batalha para a qual precisa de soldados nesta altura é esta libertação da liberdade. "A direita apropriou-se da palavra liberdade, temos de a resgatar". Esse resgate começa primeiro pela comunicação e depois pela mobilização. "Senão, vamos perder".
OE: "Não estamos a dar nada"
Pedro Nuno quebrou uma regra e saiu para uma iniciativa pública enquanto negoceia o Orçamento do Estado. E sobre isso não queria adiantar muito, mas tinha alguns recados a mandar. "Há muita coisa que não corre como gostaríamos, mas estamos numa trajectória de melhoria", defendeu, recusando a ideia que este Governo se prepara para apresentar "medidas eleitoralistas". Quem o diz "nunca entendeu que, quando aumentamos as pensões, não damos nada a ninguém; estamos a respeitar quem trabalhou a vida inteira".
"Não estamos a dar nada" foi a ideia que repetiu, aplicando-a às pensões, à devolução de rendimentos ou à função pública. Mas sobre estes assuntos em concreto, que constarão do Orçamento do Estado, recusou abrir o jogo. Estava ali mais para uma definição ideológica da sua política do que para contar qual a sua aplicação na prática actual.