De Coimbra, com capa e batina
No ano em que se celebra o Ano Europeu do Património, a Universidade de Coimbra lança o desafio para visitar a rota do Património Mundial do Centro de Portugal e aclarar a voz. As portas estão abertas para conhecer os quatro cantos deste Património Mundial da Humanidade ao som de uma serenata.
O som grave que ecoa dos sinos da Torre, conhecida pelo nome de cabra, marca o início de mais um ano lectivo na Universidade de Coimbra. Para os moradores, regista apenas um novo dia mas, para os turistas, convoca uma visita desaconselhada aos corações mais sensíveis. Nas palavras de Machado Soares, Coimbra tem mais encanto na hora da despedida e não é difícil perceber porquê: as escadas monumentais, construídas durante a década de 50 no século XX, estão encarregadas de lhe dar boas-vindas com uma subida de 125 degraus. Reza a lenda que o número de vezes que tropeçar equivale ao número de disciplinas que irá reprovar no ano correspondente aos cinco lances de 25 graus - aplicável aos antigos cursos de cinco anos.
“Sejam bem-vindos à Universidade de Coimbra Alta e Sofia, uma universidade que é das mais antigas do mundo mas que é moderna e virada para o futuro”, cumprimenta Luís Filipe Menezes, vice-reitor da Universidade. Ninguém nega o valor material e imaterial deste nome que a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconheceu como Património Mundial da Humanidade a 22 de Junho de 2013. Cinco anos depois, na data em que se celebra o Ano Europeu do Património, as estatísticas apontam para um maior número de turistas e de iniciativas culturais como visitas guiadas, espectáculos, performances e mapas gratuitos com dicas escritas por habitantes locais.
Hoje, está oficialmente convidado a viajar pela rota do Património Mundial do Centro de Portugal e a conhecer a única universidade no universo português até 1911. Pelas estradas de uma região diversificada, o projecto Lugares Património Mundial desafia-o a explorar a riqueza de um património de valor material e imaterial. A convite do Turismo Centro de Portugal, chegámos ao Paço das Escolas onde se forjou muita da identidade do Brasil e de outros países de língua portuguesa. Foi, inclusive, na Universidade de Coimbra que aconteceu o encontro cultural e científico entre o Oriente e o Ocidente durante séculos.
O ponto de encontro está marcado onde a história de Portugal aconteceu. A visita guiada arranca numa sala de cortar a pouca respiração que nos resta. “Chama-se Sala dos Capelos, é o coração de Portugal e a sala mais importante da Universidade de Coimbra onde decorrem doutoramentos, (nomeadamente, os doutoramentos honoris causa) e grandes cerimónias solenes”, diz o Professor Doutor. E qualquer pessoa pode acompanhar o que se passa no interior, pelas janelas do andar de cima, mesmo quando está a decorrer uma defesa de tese. “Foi nesta sala, também apelidada de Sala Grande dos Actos, que viveu toda a primeira Dinastia Portuguesa. Este espaço era o equivalente à Sala do Trono dos Reis D. Afonso Henriques até D. Dinis.” As grandes telas com as figuras dos Reis de Portugal mantêm a sua memória viva e homenageiam os mais importantes episódios da vida da nação portuguesa.
Chegámos à famosa Biblioteca Joanina, obra encomendada no início do século XVIII por D. João V. “É talvez o expoente máximo do barroco português e uma das mais belas bibliotecas do mundo que é visitada diariamente por centenas de pessoas”, justifica Luís Filipe Menezes em entrevista ao PÚBLICO. Paremos aqui por um instante: a biblioteca é pintada nos tectos onde se vêem os continentes e guarda mais de 53 mil volumes que contam a história do conhecimento nos vários domínios científicos. Do retrato do Rei ao fundo da sala aos rastos dos dejectos da colónia de morcegos que vive dentro da biblioteca há séculos (e que se alimenta dos insectos que ameaçam destruir os livros, como a primeira edição dos Lusíadas e uma Bíblia Hebraica) não faltam motivos para conhecer este Património Mundial feito de capas e batinas, serenatas e estudantes que vivem a tradição da vida académica.
Da tradição ao futuro
“A Universidade de Coimbra está assente numa base histórica enorme que nos dá a possibilidade de viver coisas que outros estudantes noutras universidades talvez não tenham oportunidade de vivenciar”, afirma Eduardo Ribeiro, estudante da licenciatura em Física da Faculdade de Ciências e Tecnologias. “Por exemplo, uma das coisas que me fez escolher Coimbra foi também a vida académica. Coimbra está repleta de pessoas de várias secções culturais, do teatro à música e fotografia. Já para não falar da vida nocturna. Coimbra é realmente uma cidade com bastantes tradições que ligam os estudantes e fazem com que estes convivam entre si”, conclui o aluno de 19 anos que se orgulha de fazer parte da Tuna Académica da Universidade.
Pelos corredores da reitoria estão expostos os quadros dos últimos reitores que se comprometeram a divulgar o papel central da Universidade de Coimbra Alta e Sofia na história da humanidade e o valor universal da cultura e da língua portuguesa, de olhos postos no futuro. Segundo o vice-reitor Luís Filipe Menezes, “são 728 anos de Universidade Portuguesa, são mais de seis séculos como a única universidade de Língua Portuguesa no Mundo e isto confere-lhe um prestígio, uma tradição e uma quantidade de história associada que é ímpar e única”. E é importante que os turistas percebam que o seu impacto foi universal num período da história em que Portugal e Espanha estruturavam os primeiros impérios de escala mundial com a expansão e os descobrimentos marítimos.
“Mas essa história só nos dá força para moldar o futuro. Temos praticamente todas as áreas científicas na nossa actividade normal enquanto universidade, temos investigação de excelência e um corpo docente extremamente exigente voltado para criar conhecimento, transmitir conhecimento para os nossos alunos e transferir conhecimento para o nosso sector empresarial, industrial, para a nossa economia e sociedade”, despede-se Luís Filipe Menezes. As portas, essas, ficam sempre abertas para promover a internacionalização da Universidade de Coimbra no sentido de afirmar o património e a cultura como activos essenciais para o desenvolvimento sustentável. Tudo para manter o Património Mundial da Humanidade vivo.
A caminho da Sofia
Está na hora de rumar até onde a história começou. Na baixa da cidade, especificamente na Rua da Sofia, onde 27 colégios deram vida à universidade. Uma rua que começa na Igreja de Santa Cruz, Panteão Nacional, onde D. Afonso Henriques e D. Sancho I estão sepultados. Aí encontra também o Café Santa Cruz, onde os pastéis conventuais Crúzios foram reinventados. “Tenho orgulho em considerar o Café Santa Cruz uma das salas nobres da cidade, um dos ex-líbris e principalmente um pólo de cultura uma vez que promovemos contadores de histórias a noites de poesia e apoiamos lançamentos de novos discos e livros. Gostamos de pensar que somos um dos marcos, em termos culturais, desta cidade”, defende o gerente José Cruz.
O som do aclarar da garganta que se ouve dentro do espaço popular é a prova disso. “O facto da Universidade de Coimbra ter sido elevada a Património Mundial da UNESCO trouxe um fluxo muito grande de turismo. Neste momento, foi um alfinete que se cravou no mapa do mundo porque a UNESCO tem um peso muito grande a nível mundial. Foi uma mais valia para a cidade.” Pelas ruas sinuosas deslizam capas pretas com insígnias bordadas que representam diferentes significados. “Está a ver? Isto é Coimbra”, alerta José Cruz. “Não imaginava a cidade sem estudantes. Coimbra, para mim, tem três pés: universidade, saúde e comércio. São as bases sustentadoras desta cidade.” Agora, silêncio porque se vai cantar o fado de capa e batina.
E porque é que a cidade de Coimbra merece ser visitada? “Porque está em funcionamento e, portanto, é um património vivo. Visitar um edifício com tantos anos de história mas que tem estudantes e está em actividade é o grande motivo de encanto para quem visita. Naturalmente, tem a sua riqueza patrimonial que mereceu o reconhecimento da UNESCO e um papel fundamental na divulgação da língua portuguesa e nas tradições académicas. Por exemplo, do fado e da Canção de Coimbra”, explica Carina Gomes, vereadora da Câmara Municipal de Coimbra em entrevista ao PÚBLICO. Mas o título de Património também traz responsabilidades. “A classificação da UNESCO traz um grande orgulho para a cidade de Coimbra mas com esse orgulho vem também a responsabilidade de cuidar e amar esta cidade. E isso é responsabilidade de todos nós”.
Razões suficientes para afirmar que a Universidade de Coimbra, a cidade em que se insere, o riquíssimo património histórico, arquitectónico e cultural são um precioso acervo comum da Humanidade que merece ser conhecido. Carina Gomes concorda. “Eu diria que, em termos turísticos, a universidade é a grande jóia da coroa da cidade de Coimbra mas também é preciso relembrar que há muitos outros locais para visitar na cidade de Coimbra. Daí que fique sempre o convite para virem à Universidade de Coimbra mas percam-se, por favor, pelo resto da cidade que tem tantos outros edifícios classificados como Património Mundial.”