Operação Marquês calhou ao juiz Ivo Rosa. "Finalmente há um juiz legal", diz defesa de Sócrates
Escolha do juiz da fase de instrução foi feita por sorteio, nesta sexta-feira. Ivo Rosa é conhecido por nem sempre apoiar as teses do Ministério Público.
Calhou por sorteio electrónico ao juiz Ivo Rosa conduzir a fase de pré-julgamento da Operação Marquês. O sorteio aconteceu na tarde desta sexta-feira, pouco depois das 16h. Será este magistrado madeirense a decidir se o ex-primeiro-ministro José Sócrates e restantes arguidos vão mesmo a julgamento ou se, pelo contrário, alguns deles ficam pelo caminho, ilibados, por inexistência de indícios suficientes de terem praticado os crimes de que foram acusados pelo Ministério Público.
“Finalmente neste processo há um juiz legal e não um juiz escolhido pelo Ministério Público. Tenho um grande conforto porque foi cumprida a lei. Não gostaria que tivesse sido sorteado o Carlos Alexandre cuja parcialidade me parece evidente. Este processo está viciado desde o início”, disse ao PÚBLICO João Araújo um dos advogados de José Sócrates, que não esteve presente no sorteio ao contrário do que tinha pedido.
Quinze minutos depois das 16h desta sexta-feira, a hora marcada para o sorteio, a defesa de José Sócrates, que insistia em acompanhar a escolha do juiz levando um técnico informático, enviou um comunicado à imprensa dando conhecimento de um ofício enviado ao juiz Ivo Rosa. Nele, os advogados explicam que “prescindem de estar presentes” já que “entendem ter ficado suficientemente acautelada a pretensão” de Sócrates de que “a distribuição deste processo garantisse a aleatoriedade exigida pela lei e pela Constituição, sendo realizada por meio electrónicos e sob a presidência de juiz imparcial”.
Em contraponto sublinham que tal não aconteceu há quatro anos “quando os poderes jurisdicionais sobre o inquérito foram atribuídos” a Carlos Alexandre “manualmente, por responsabilidade que ele próprio entendeu endossar” a uma “escrivã”.
As críticas da defesa de Sócrates a Carlos Alexandre são antigas, marcaram várias conferências de imprensa que os advogados deram à comunicação social e o próprio processo, tendo chegado a pedir o afastamento formal do juiz. Porém, em Fevereiro de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o recurso em que pediam o afastamento de Carlos Alexandre e defendiam a existência de questões da incompetência do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC).
Conhecido por nem sempre apoiar teses do MP
Ao contrário de Carlos Alexandre, o outro juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Ivo Rosa é conhecido por nem sempre apoiar as teses incriminatórias dos arguidos que lhe são levadas pelo Ministério Público, tendo, de resto, ilibado vários suspeitos desde que assumiu esta função, em 2015. Foi por exemplo o caso da Operação Zeus, relacionado com a corrupção nas messes da Força Aérea: recusou-se a levar a julgamento 18 dos 86 arguidos que lhe entregou o Ministério Público, alegando que não se provou a existência de uma estrutura criminosa organizada, uma vez que os arguidos aproveitaram a própria estrutura militar para praticarem os delitos.
No caso das rendas da EDP, chocou de frente com os procuradores que investigam as rendas da eléctrica, que chegaram a pedir o seu afastamento do processo, pondo em causa a sua imparcialidade.
Mas foi mais longe no caso em que a TAP era suspeita de lavar dinheiro de figuras da elite angolana através de uma subsidiária da Sonangol, a companhia aérea Sonair: ao não remeter nenhum dos suspeitos para julgamento, fez cair por terra toda a investigação dos procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação, e aquilo que disser este tribunal pode vir a revelar-se importante para a Operação Marquês, se os desembargadores vierem a pronunciar-se sobre a legalidade de alguns procedimentos dos procuradores ao socorrerem-se de processos preventivos de branqueamento de capitais, que são de natureza administrativa, para desencadear o processo-crime em causa.
Há quem considere o juiz um obstáculo, por defender constantemente os direitos das pessoas investigadas, criando obstáculos às investigações. No inquérito ao furto das armas do quartel de Tancos também tem sido assim: já recusou autorizar escutas e passar mandados de busca.
Nunca trabalhou na Operação Marquês, ao contrário de Carlos Alexandre, que foi o juiz da fase de investigação do processo – o que significa que terá agora de se pôr a par dos 132 volumes e 903 apensos. Tudo junto pesa mais de uma tonelada. Os 28 arguidos – 19 pessoas e nove empresas – entre os quais se contam o antigo ministro Armando Vara, os ex-dirigentes da Portugal Telecom Henrique Granadeiro e Zeinal Bava e Ricardo Salgado, estão acusados de vários crimes de colarinho branco, como corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
"Calhou-me a mim"
"Calhou-me a mim". Foi desta forma que Ivo Rosa, que presidiu ao sorteio da Operação Marquês, reagiu quando, ao fim de longos minutos, o sistema informático indiciou o nome dele.
Fê-lo em voz baixa, retirando-se imediatamente a seguir para o gabinete, sem falar com os jornalistas presentes no Tribunal Central de Instrução Criminal. Três falhas momentâneas no sistema informático fizeram com que a espera pelo anúncio do nome do juiz se prolongasse mais do que o previsto, mas por fim o computador acedeu a revelar nas mãos de quem fica nos próximos tempos o destino de José Sócrates e restantes arguidos.