Manuel Salgado faltou ao filme de que era o protagonista
Assembleia municipal chumbou iniciativas para analisar decisões do Urbanismo. Câmara anunciou um processo judicial a Nunes da Silva e Helena Roseta vai mandar tudo para o Ministério Público.
Tal como o Coronel Kurtz do Apocalypse Now é mencionado ao longo de três horas e só no fim da película aparece, assim foi a reunião da Assembleia Municipal de Lisboa. Manuel Salgado, o vereador de que todos falam, foi o protagonista ausente, mas, plot twist – ao contrário da personagem de Marlon Brando – não veio ao seu próprio filme. Acabou por ser esse o facto mais relevante da discussão, uma vez que o fim da trama estava escrito de antemão: as três propostas que visavam escrutinar recentes decisões urbanísticas da câmara foram chumbadas.
Os deputados analisaram um pedido de sindicância ao Urbanismo (feito pelo PSD) e dois para que fosse a própria assembleia a debruçar-se sobre o assunto, feitos pelo Bloco de Esquerda e por um deputado independente. O mote para tais iniciativas foi a entrevista ao Sol de Fernando Nunes da Silva, ex-vereador de António Costa, na qual o antigo autarca lança suspeitas sobre Manuel Salgado e as decisões que ele tem tomado nos últimos anos. Nenhuma das acusações é nova, mas os três proponentes consideravam chegada a hora de esclarecê-las de uma vez.
Chumbadas as propostas pelo PS e Cidadãos por Lisboa, Helena Roseta anunciou que ia enviar a entrevista de Nunes da Silva e a discussão que tinha acabado de acontecer para o Ministério Público. No debate, os deputados empenharam-se em frisar que as suspeitas referidas pelo ex-vereador há muito que são conhecidas na assembleia municipal e cada partido fez uma espécie de compêndio das iniciativas próprias apresentadas no mandato passado sobre diversos temas urbanísticos.
“Lisboa não é a América Latina dos anos 60”, declarou Luís Newton, do PSD, para justificar o pedido de sindicância, apoiado genericamente à direita e criticado à esquerda. “Todas as semanas vemos notícias com casos onde se acusam os serviços de Urbanismo de violar regras, de se adaptar a conivências. Isto não pode, não deve continuar”, afirmou o social-democrata, argumentando que a sindicância daria a Fernando Medina um bom pretexto para enviar uma “mensagem de transparência e confiança aos lisboetas”.
“Quem não deve não teme”, proclamou Aline Beuvink, do PPM. “Para que não subsistam dúvidas sobre a idoneidade e carácter de alguns dos dirigentes e serviços da câmara”, acrescentou, “defendemos a sindicância aos serviços tutelados pelo vereador Manuel Salgado.” Não foi a única a fazê-lo: CDS e MPT também acompanharam a proposta social-democrata.
À esquerda, PCP, Bloco, Os Verdes e dois deputados independentes preferiram apoiar as iniciativas que pediam uma espécie de comissão de inquérito, dentro da própria assembleia, para analisar os casos mais controversos. “Compete à assembleia a fiscalização da câmara. Se há dúvidas e questões, elas devem ser levantadas pela assembleia”, argumento Ricardo Moreira, do BE. “Seria um exercício de transparência abrir os livros da torre de Picoas, os livros da expansão do Hospital da Luz, os livros do terreno conhecido como ‘triângulo dourado”, disse o deputado. “Queremos esclarecer, não nos interessa nenhum voyeurismo, nenhum ajuste de contas entre vereadores da antiga maioria."
No fim da discussão, um dirigente da câmara pronunciou-se pela primeira vez sobre a entrevista de Nunes da Silva – e foi para anunciar que ela terá resposta em tribunal. “Toda esta discussão me fez lembrar quando estamos nas redes sociais, vemos alguém a partilhar uma notícia, abrimos e vemos que é de há dez anos”, ironizou Duarte Cordeiro, vice-presidente. “Estamos a discutir uma entrevista que não traz um único facto novo. Isto não são fake news, são old news”, disse ainda.
O autarca afirmou que, se os deputados querem questionar Salgado, só têm de o convidar a ir até à Avenida de Roma. “Alguém fez esse convite ao sr. vereador Manuel Salgado? É que, se tivessem convidado, ele teria vindo.”