Durante uma semana, os quenianos podem ver Rafiki, filme lésbico proibido e possível candidato aos Óscares
Longa-metragem de Wanuri Kahiu tinha sido banida no Quénia, país onde a homossexualidade é ilegal. Com a suspensão temporária da proibição, o filme pode entrar na corrida aos prémios da Academia de Hollywood.
A proibição da exibição de Rafiki no Quénia foi “temporariamente suspensa” na sexta-feira pelo Supremo Tribunal de Nairobi. O filme conta uma história de amor entre duas mulheres no Quénia, onde a homossexualidade é considerada crime. A longa-metragem de Wanuri Kahiu tinha sido proibida naquele país africano em Abril pela Comissão de Classificação de Cinema do Quénia (KFCB, na sigla inglesa) por “tentar legitimar uma relação lésbica”. O filme pode agora ser visto durante uma semana, até ao próximo sábado, dia 29, no cinema Prestige, em Nairobi.
A autorização temporária permite que Rafiki possa ser submetido à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, colocando-o hipoteticamente na corrida ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019. As candidaturas estão abertas até 30 de Setembro para filmes que tenham sido exibidos durante um período mínimo de sete dias.
Em Portugal, o candidato à nomeação na categoria de Melhor Filme Estrangeiro é Peregrinação, de João Botelho. As nomeações finais só serão conhecidas no início de 2019.
Protagonizado por Sheila Munyiva e Samantha Mugatsia, Rafiki (que significa “amigo” em suaíli) é a adaptação cinematográfica do conto Jambula Tree, da ugandesa Monica Arac de Nyeko, e conta a história de duas amigas que se apaixonam numa Nairobi conservadora e homofóbica, enfrentando a pressão da família, dos amigos e da igreja.
Ao ler a decisão do Supremo, a juíza Wilfrida Okwany desvalorizou o "risco" representado por Rafiki: “Não estou convencida de que o Quénia tenha uma sociedade fraca ao ponto de os seus valores morais serem abalados por verem tal filme”.
A magistrada acrescentou ainda que a homossexualidade, e a sua representação nas artes, “não começou com Rafiki”. A defesa da realizadora Wanuri Kahiu saudou a decisão, considerando-a “uma vitória para a liberdade de expressão e a criatividade artística queniana”.
No Twitter, e já após a primeira sessão autorizada, Kahiu agradeceu o apoio recebido nos últimos dias e a afluência à sala de cinema do Prestige: “Oh, minha Nairobi! Obrigada por esgotarem a primeira exibição! Obrigada por verem o nosso filme! Obrigada por acreditarem! (Espero que não vos tenhamos convertido)”.
Na tarde deste domingo, mais de 450 pessoas quiseram assistir a Rafiki, obrigando o cinema Prestige a fazer uma segunda sessão. Nas exibições deste fim-de-semana na sala lotada de Nairobi houve palmas e gritos de júbilo, refere a Reuters. “Esta semana é muito importante para tantas pessoas”, disse à agência noticiosa uma fotógrafa de nome Vicky, que tinha o cabelo enrolado num lenço com as cores do arco-íris, símbolo da comunidade LGBT. “As pessoas podem ver-se no ecrã e saber que é normal poderem expressar-se desta forma”, afirmou à agência noticiosa. À saída, guardou o lenço. “Aqui o cinema é um lugar seguro”. Lá fora, diz, nem tanto. No Quénia, os “actos homossexuais” podem ser punidos com uma pena até 14 anos de prisão.
Por seu turno, a Comissão de Classificação de Cinema do Quénia aceitou cumprir a decisão do Tribunal Supremo, mas expressou o seu desagrado num comunicado: “É um momento triste e um tremendo insulto, não só para a indústria cinematográfica mas para todos os quenianos com moral, que um filme que glorifique a homossexualidade seja autorizado para ser a imagem do nosso país no estrangeiro”. O organismo estatal criticou ainda a “tentativa de normalizar a homossexualidade” por “não reflectir os valores do povo queniano”.
Rafiki já tinha feito história este ano ao integrar a selecção oficial da edição de 2018 do Festival de Cannes, na secção Un Certain Regard e Queer Palm. Foi a primeira vez que o Quénia viu um filme seu ser levado ao festival francês.