Investigadores criticam concurso da FCT que negou contrato a 3500 candidatos
Fundação para a Ciência e a Tecnologia lembra que os candidatos podem recorrer das decisões e também sublinha que existem “outras oportunidades” para apoiar investigadores nas diferentes fases da sua carreira, num total de 5000 contratos de trabalho.
Os resultados do Concurso Estímulo ao Emprego Científico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) foram conhecidos no início desta semana ficando a saber-se que foram atribuídos 500 contratos de trabalho, com a duração de seis anos. A polémica encontra-se, no entanto, entre os 3500 excluídos. As críticas são de todo o tipo, abrangentes e específicas, e vêm de todo o lado, de investigadores juniores até ao topo da carreira, dos investigadores coordenadores. Muitos candidatos mostraram-se surpreendidos com os resultados deste concurso que excluiu, entre outros nomes conhecidos, Maria Manuel Mota e Irene Pimentel, ambas vencedoras do Prémio Pessoa. Mas há outros. Cosmin Nada, que poucas pessoas deverão conhecer, também ficou de fora e sente que “perdeu o chão”.
As investigadoras Maria Manuel Mota e Irene Pimentel, cientistas de topo de carreira com um palmarés de fazer inveja, são dois dos nomes na longa lista de milhares de candidaturas recusadas pelo júri internacional do Concurso Estímulo ao Emprego Científico, lançado pela FCT. A exclusão destas investigadoras surpreendeu muita gente dentro e fora da comunidade científica, mas terá sido, sobretudo, uma surpresa para as próprias. “Foi algo que me chocou, que me surpreendeu completamente. Porque não tem a ver com o currículo, nem com o projecto que foi elogiadíssimo”, desabafou ao PÚBLICO a historiadora Irene Pimentel.
Passados cinco dias do anúncio dos resultados, Irene Pimentel refere que ainda não decidiu se vai recorrer da decisão. Mas não é possível rebater os argumentos que sustentam a exclusão da sua candidatura? “É, completamente. Uma das coisas que eu depois quero fazer é divulgar a avaliação que foi feita. Mas que não posso agora fazer, porque o processo ainda está em andamento e ainda não decidi se vou recorrer”. A hesitação sobre o recurso surge quase por cansaço. “Eu já concorri outras vezes e sei que os recursos normalmente não servem de nada”, acredita a historiadora.
Irene Pimentel insiste que a sua exclusão “é fácil de rebater”, mas, pelo menos para já, abstém-se de a criticar. “Não posso concorrer a um concurso e depois dizer que a avaliação, porque me foi recusada a candidatura, foi disparatada. Sei que no júri estão especialistas estrangeiros, são de várias universidades, mas não os conheço”.
Agora, diz, resta procurar outras instituições interessadas em financiar o seu trabalho que tinha como propósito a investigar as relações entre a PIDE/DGS e os serviços secretos na Europa e nos Estados Unidos da América. “Não vou ficar parada. Para continuar a trabalhar preciso do dinheiro no fim do mês.” Na proposta feita à FCT, a investigadora candidatava-se a um contrato de trabalho por seis anos na mais alta categoria, o topo de carreira, de investigador coordenador. Irene Pimentel afirma que desconhece ao certo o valor definido nos estatutos para esta categoria. A FCT esclarece que o vencimento de um investigador coordenador é de 4.664,97 euros (brutos).
"Mecenas são bem-vindos"
A cientista Maria Manuel Mota, directora do Instituto Medicina Molecular e distinguida em 2013 com o Prémio Pessoa pelos anos de estudo na área da malária, em que se destacou a nível internacional, também ficou de fora do Concurso Estímulo ao Emprego Científico da FCT. A investigadora começa por explicar ao PÚBLICO que “o problema central aqui não é este concurso em particular ou situações caricatas que possam sair do concurso”. E continua: “O que na minha opinião (e na de muitos colegas que conheço) está errado é esta estratégia de contratação científica feita em cima do joelho. Não podemos criar 'emprego científico' às cegas e a torto e a direito, se as instituições não têm a solidez para assegurar compromissos de longo prazo. O que precisamos é de instituições de grande qualidade e sólidas, com orçamentos baseados numa avaliação periódica mas multianuais e previsíveis, de modo a que se lhes seja exigido estratégias de médio e longo prazo”.
Dito isto, Maria Mota refere que sobre o processo agora em discussão não há muito a dizer. A investigadora queria avançar mais ainda na pesquisa sobre os mecanismos e estratégias usadas pelo parasita da malária para infectar o hospedeiro, na esperança de ajudar a travar a doença que afecta milhões de pessoas. Agora, se o fizer, não será ao abrigo deste contrato de trabalho da FCT, até porque, avisa desde já, que não vai apresentar recurso da decisão. “Quando entramos no jogo cumprimos as regras e aceitamos o resultado. Por isso não irei recorrer. Eu gosto muito do projecto que submeti e acho que já demonstrei no passado ter capacidade para executar projectos deste tipo, mas o júri não tem a mesma opinião e eu tenho mais é que a respeitar”, diz ao PÚBLICO, numa resposta por email.
Sobre os argumentos apresentados para a exclusão do seu projecto, adianta apenas que sobre o seu currículo tem “apenas uma frase muito neutra que parece transmitir que não o acham nada de especial” e em relação ao projecto “afirmam que, apesar de muito inovador, não se explica bem qual a importância e o impacto para a saúde humana”. E agora? Entre outro tipo de financiamento que possa vir a conseguir, Maria Mota afirma que "todos os mecenas são bem-vindos”. “Não só como investigadora mas também como directora executiva do IMM, adoraria que grande parte do nosso financiamento fosse coberto por filantropos que acreditam no nosso projecto global do instituto com o objectivo de criar uma sociedade futura com mais saúde e menos doença”, anuncia.
A verdade é que a investigadora e a sua equipa têm arrecadado vários prémios. É fácil perder o fio à moeda em contas de milhões. “Entre financiamentos de maior calibre, projectos de investigação e prémios, a nossa equipa de investigação já arrecadou mais de seis milhões de euros desde 2005. Neste valor não estão incluídas as bolsas individuais nacionais e internacionais dos investigadores na equipa e que cobrem os salários de muitos deles”, esclarece a cientista.
Por fim, resta uma resposta à estupefacção manifestada nas redes sociais sobre o facto de Maria Mota ainda ter de concorrer a estes concursos que querem acabar com a precariedade na ciência e ainda não lhe ter sido oferecido um lugar no quadro da Universidade de Lisboa. “Não sou precária e não o sou desde 2005, quando iniciei a minha equipa no IMM. Sempre tive contratos de trabalho com o IMM. O último era coberto por fundos da FCT (FCT investigador) mas não deixa de ser um contrato feito com o IMM, com segurança social, IRS. Nunca achei que ter um contrato de cinco anos possa ser considerado um estado de precariedade”, clarifica.
E sobre o lugar no quadro da universidade, a investigadora também esclarece que em 2005 a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa a convidou para ser professora. “Não aceitei um contrato a 100%, pois, apesar de gostar muito de dar aulas e do contacto com os alunos, queria continuar a dedicar-me com toda a minha energia à descoberta científica. Assim, desde 2005 que mantenho um contrato a 30% com a FMUL, dou algumas aulas, e tudo isto foi minha opção.”
Cosmin Nada sem opções
Cosmin Nada tem 30 anos, um doutoramento ainda fresco (concluído no final de 2017) e poucas opções depois da “nega” que recebeu da FCT esta semana. Depois de ter mostrado na sua tese de doutoramento que as universidades portuguesas falham no acolhimento a estudantes estrangeiros, fez agora uma proposta sobre “a internacionalização do ensino superior e a forma como as universidades lidam com a diversidade cultural”. Ao contrário de outros investigadores, não ficou surpreendido com a exclusão do seu projecto, uma vez que, apesar do mérito que lhe atribui, já previa este desfecho por ter pouca experiência. Mas a confirmação de uma esperada exclusão não diminui o desalento e indignação de Cosmin Nada.
O investigador que concorreu a um contrato como investigador júnior (2128,34 euros brutos por mês), sente-se injustiçado por várias razões. Denuncia, por exemplo, que a sua proposta foi avaliada por um júri do painel de Educação, Psicologia e Ciências Cognitivas. “A junção destas áreas é discriminatória para os cientistas da área da Educação”, diz. Denuncia ainda que no painel de 17 cientistas internacionais que o avaliaram existiam apenas três especialistas em Ciências da Educação. “Ou seja, a FCT incluiu no título do painel a palavra educação, mas desconsiderou quase por completo esta área”, diz. Sobre o mesmo tema, arrisca dizer que, tanto quanto conseguiu perceber, apenas quatro candidatos de centros de investigação em educação foram financiados a nível nacional neste painel. No Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto houve mais 12 candidaturas além da sua. Resultado? Todas excluídas.
As críticas não ficam por aqui. Para o candidato é difícil encontrar justiça num concurso que na categoria de investigador júnior mete no mesmo saco todos os candidatos com menos de cinco anos de experiência, atribuindo um peso de 70% na nota final ao currículo (os restantes 30% são para a avaliação do projecto). “Naturalmente, um investigador que tenha concluído o doutoramento há quatro anos vai ter um currículo radicalmente diferente de uma pessoa que o concluiu há quatro meses”, constata o candidato com cinco artigos publicados.
O cenário parece-lhe ainda mais incoerente quando a própria FCT define o investigador júnior no Aviso para a Apresentação de Candidaturas como "doutorado com reduzida experiência de investigação pós-doutoral ou sem currículo científico após o doutoramento na área científica a que se candidata". Ou seja, não precisam de ter experiência, mas essa experiência tem um peso decisivo na candidatura e, além disso, concorrem com quem tem quatro vezes mais? “Parece-me que os recém-doutorados têm pouquíssimas hipóteses de conseguir um contrato destes e, visto que as bolsas de pós-doutoramento acabaram, o que lhes resta?”, pergunta Cosmin Nada.
Apesar de todas as reservas, o candidato sublinha que a evolução das precárias bolsas de pós-doutoramento para contratos de trabalho (com todos os direitos que isso implica, desde o 13.º mês ao acesso a subsídio de desemprego no final dos seis anos) foi “algo fantástico”. Mas era preciso conseguir chegar lá. Sobre a possibilidade de se candidatar a outras oportunidades abertas na FCT para financiar a sua investigação, Cosmin Nada também acredita que tem poucas hipóteses por, lá está, se encontrar no início de carreira. As outras portas, como a que foi aberta pela Norma transitória do DL 57/2016 com 2000 contratos de trabalho, "estão muito nas mãos das instituições", diz. “E normalmente, as instituições escolhem quem já conhecem. Dificilmente um investigador do Porto conseguiria um contrato em Lisboa ou Coimbra, por exemplo”. Assim, Cosmin Nada garante que vai recorrer da decisão deste concurso da FCT com os argumentos que apresentou ao PÚBLICO. “Não será uma queixa sobre o meu processo, mas uma queixa de procedimento”, avisa. Sobre as suas perspectivas, adianta que os planos mais imediatos passam por um estágio de seis meses em Bruxelas, na União Europeia, onde irá ganhar cerca de 1200 euros por mês. “Sinto que perdi o chão”, desabafa.
"Oportunidades para todos"
A propósito das críticas que têm vindo a público, a FCT começa por esclarecer que não se pronuncia “sobre casos particulares”. Para todos, lembra que os candidatos podem pronunciar-se, no prazo de dez dias úteis, contados da notificação da proposta de decisão. No final desta semana, não tinha dados disponíveis sobre o número de recursos apresentados.
Ainda sobre os resultados, fonte do gabinete de comunicação da FCT esclarece que “a avaliação do Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Individual (CEEC Individual) foi feita por 374 investigadores internacionais e independentes reconhecidos nas suas áreas científicas, distribuídos por 25 painéis” Acrescentando que, “seguindo as melhores práticas internacionais, os painéis de avaliação são soberanos e a FCT não interfere na classificação das candidaturas”. E aos mais de 3500 candidatos que ficaram de fora, recorda-se que “a FCT promove também outras vias de emprego científico, através das quais está a criar oportunidades para quase 5000 contratos de trabalho para apoiar investigadores nas diferentes fases da sua carreira”.
A saber: CEEC Individual 2017 (500 contratos de seis anos em todos os níveis de carreira), CEEC Institucional 2018 (400 contratos de seis anos em todos os níveis de carreira e contratos de integração na carreira (quadros da instituição), Concurso para Projecto de I&D 2017 (1600 projectos - cada projecto tem de contratar um investigador doutorado por um mínimo de 30 meses), Norma transitória do DL 57/2016 (cerca de 2000 contratos de trabalho de seis anos - em instituições públicas - ou de tempo variável - em instituições privadas), Avaliação das Unidades de I&D 2017/2018 (400 contratos de seis anos). Assim, conclui a mesma fonte da FCT, “há muitas oportunidades para todos”.