Energy Observer, o catamarã que “simboliza a energia do futuro”
Até 30 de Setembro, há uma exposição gratuita em Lisboa onde se pode conhecer uma embarcação movida só a hidrogénio, e que por estes dias está no rio Tejo.
Por estes dias, o rio Tejo tem tido um novo visitante: o catamarã Energy Observer. Entramos na embarcação – a primeira movida só a hidrogénio – e logo encontramos Philippe Corfec no posto de comando. O francês de 57 anos, e já de cabelos grisalhos, faz parte da tripulação que está em Lisboa até 30 de Setembro e que pode ser conhecida através de uma exposição gratuita na Doca da Marinha, mesmo em frente ao Campo das Cebolas. “Está a ser um bom momento da minha vida”, confessa.
Antes de embarcar, Philippe Corfec tinha uma empresa de vestuário. Mas, como já velejava há oito anos e conhecia outro membro da tripulação, decidiu fazer parte desta aventura. Agora, em nome do ambiente, está a percorrer o mundo para mostrar que é possível movimentarmo-nos sem recorrer a combustíveis fósseis.
Esta ideia surgiu dos franceses Victorien Erussard e Jérôme Delafosse. Durante dez anos, Victorien Erussard competiu em regatas “solitárias" – como o próprio relembra – pelo Atlântico ou pelas Caraíbas. Chegou a subir a três pódios em seis regatas transatlânticas ou a fazer uma expedição ao Pólo Sul durante um ano. “Na competição ocupava-me apenas de mim próprio. Depois, percebi que preferia inspirar os outros e gastar a minha energia no desenvolvimento de novas tecnologias”, conta ao PÚBLICO. Por isso, em 2013 começou a desenvolver o Energy Observer, que custou cerca de cinco milhões de euros.
A ele, juntou-se realizador de documentários Jérôme Delafosse, que explora os oceanos há 23 anos e já passou mais de 20 mil horas no mar.
Agora, Victorien Erussard e Jérôme Delafosse, comandante e líder de expedição do Energy Observer (respectivamente), estão numa odisseia pelo mundo até 2022. Esta aventura começou em 2017, vai passar por 50 países e fazer 101 escalas.
Numa visita pelo Tejo no catamarã de mais de 30 metros de comprimento e com uma largura de cerca de 13 metros, andamos descalços. Assim, até podemos pisar e sentir a diferença entre os três tipos de painéis solares – ora mais macios ora mais ásperos – que revestem a embarcação.
Hugo Devedeux, que nos acompanha na visita e que participou no desenvolvimento do sistema de gestão de energia da embarcação, diz que foi um “trabalho difícil”. O engenheiro, que agora olha com orgulho para o Energy Observer, não esquece os árduos três anos de trabalho, em que se conseguiu (juntamente com a restante equipa) tornar uma antiga embarcação do velejador neozelandês Peter Blake no “primeiro navio movido a hidrogénio que visa a auto-suficiência energética”, como anuncia a equipa por todos os sítio onde passa.
Afinal, além dos 141 metros quadrados de painéis fotovoltaicos, o catamarã tem outros instrumentos de energia renovável. Há um dessalinizador, um sistema que permite a decomposição da molécula de H2O (água) em O2 (oxigénio) e em hidrogénio (H2) – processo conhecido por electrólise – ou uma célula de combustível para que se converta hidrogénio em electricidade e se prolongue a autonomia da embarcação. O calor produzido por essa célula é ainda aproveitado para as águas sanitárias, a climatização ou até para carregar aparelhos como telemóveis, como salienta Victorien Erussard.
“No Energy Observer usamos uma energia que não emite gases com efeito de estufa nem partículas finas. Queremos acelerar a transição energética, as energias renováveis e o hidrogénio", indica o comandante da embarcação. “O Energy Observer simboliza o futuro da energia: a energia descarbonizada, digitalizada e descentralizada.”
A tripulação (agora com oito pessoas e só formada por franceses) viaja pelo mundo para testar estas tecnologias e mostrar como podem ser usadas em todos os lugares do planeta. Afinal, ainda esta semana se anunciou que, na Alemanha, começaram a circular os dois primeiros comboios movidos a hidrogénio.
Durante a viagem, a tripulação também está a fazer uma colecção documental sobre a experiência ou diários de bordo sobre o seu quotidiano. “O nosso papel é o de embaixadores”, diz Victorien Erussard a sorrir. A ambição da equipa é a de que um dia todas as nossas cidades e casas funcionem como o Energy Observer.
Conferência da ONU em Portugal
Com o catamarã veio também uma pequena exposição interactiva com realidade virtual e projecções a 360 graus. Nesta sexta-feira, durante inauguração dessa exposição, o director-geral de Política do Mar Rúben Eiras aproveitou para salientar a importância da exploração das energias renováveis no mar e anunciar que Portugal receberá a conferência das Nações Unidas sobre os oceanos em 2020, embora “ainda esteja no processo formal”.
Já o secretário de Estado da Energia Jorge Seguro Sanches falou da importância das energias renováveis para Portugal e frisou dados do Eurostat divulgados esta semana: Portugal foi o terceiro país – juntamente com a Dinamarca – que mais usou energia renovável em 2016 na União Europeia (53%). À frente ficaram a Áustria (73%) e a Suécia (65%).
No meio destas mensagens sobre os esforços do uso das energias renováveis, também José Sá Fernandes (vereador da Câmara Municipal de Lisboa) apontou que Lisboa pretende ter uma central fotovoltaica a funcionar em 2020 para alimentar veículos eléctricos e ser assim “a primeira central fotovoltaica do mundo a abastecer directamente autocarros”.
A ouvir estas novidades, Victorien Erussard ficou com a ideia que Portugal “é dos países que está a avançar a par da revolução da energia renovável”. Espera agora que as ideias sigam em frente e que venham outras. Afinal, para ele: “O hidrogénio é o caminho.”
Depois de Lisboa, o Energy Observer segue para Saint-Malo, na Bretanha (Noroeste de França). “É a minha terra”, diz feliz e já com saudades Victorien Erussard. Depois de um pequeno descanso, a tripulação deixa os países do Mediterrâneo e parte para a Europa do Norte.
No posto de comando da embarcação, também Philippe Corfec demonstra a sua felicidade e refere como esta “odisseia do futuro” fez sentido para si: “Antes o ambiente não era uma prioridade para mim, mas agora já é.”