Aprende, Joana: em Portugal manda o PS
Se Governo e Presidente queriam tanto alguém com o perfil de Joana Marques Vidal, porque é que não voltaram a convidar Joana Marques Vidal?
Um comunicado às 21h, já depois de ter passado a hora dos telejornais e a possibilidade de os diários trazerem grandes reacções pela manhã. Em dia de futebol, para os canais por cabo não dedicarem demasiado tempo ao assunto, já que era indispensável debater as incidências do formidável Sporting-Qarabag. Na despedida de Marcelo da universidade, para que o tempo de antena presidencial fosse ocupado por um fait-divers académico-social, em vez da substituição da procuradora-geral da República. Esta é a estratégia de duas consciências pesadas, muito reveladora das verdadeiras intenções de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa.
O ex-amigo de José Sócrates e o ainda amigo de Ricardo Salgado nunca quiseram a continuação de Joana Marques Vidal. O que eles queriam, como um membro do Governo explicou ao PÚBLICO, era “evitar tentações de messianismos populistas”. Aquilo de que Costa e Marcelo sentiram absoluta necessidade foi de o poder político mostrar ao poder judicial que a separação de poderes é uma coisa muito bonita, sim senhora, mas um está mais em cima, e outro mais em baixo. Uns escolhem, os outros são escolhidos. Não é que Costa ou Marcelo sejam corruptos. Não são. Não apreciam, não gostam e até combatem. Simplesmente, a corrupção não lhes revolve as entranhas – sendo ao mesmo tempo cínicos e pragmáticos, encaram-na com fatalismo, como uma consequência inevitável da acção política.
As pessoas olham para o perfil de Lucília Gago e concluem que é muito semelhante ao de Joana Marques Vidal. É mulher. Reservada. Oriunda dos tribunais de família. Sem ligações conhecidas ao poder político. Mas se Governo e Presidente queriam tanto alguém com o perfil de Joana Marques Vidal, porque é que não voltaram a convidar Joana Marques Vidal? Ah, espera, já sei, a independência, a Constituição, o mandato “longo e único”, as boas práticas democráticas. Não gozem comigo. O respeito pelas boas práticas democráticas está à vista no miserável teatrinho que foi feito esta semana, com simulacros de audições que ainda não vi devidamente denunciados. O PÚBLICO garantia na quinta-feira que o nome de Lucília Gago tinha sido escolhido “por mútuo acordo, há mais de uma semana”, entre Costa e Marcelo, e na quarta-feira andava a ministra da Justiça a ouvir os partidos parlamentares para “debater a continuidade da procuradora-geral da República”. São estas as boas práticas e o respeito pela democracia?
Pedro Passos Coelho tem inteira razão naquilo que escreveu no Observador: todo este processo está muito mal explicado, a decisão é exclusivamente política, e as desculpas constitucionais são uma belíssima treta. As declarações de Joana Marques Vidal, garantindo que a hipótese de recondução nunca lhe foi colocada, vão no mesmo sentido. Seria muito útil, aliás, que Observador e Expresso clarificassem as manchetes do passado fim-de-semana, para pelo menos ficarmos a conhecer de onde veio cada uma daquelas notícias, que muito contribuíram para alimentar o jogo de sombras. Se ali para os lados de Belém há alguém que continua a servir vichyssoise, eu gostava de saber. Enquanto os contornos desta decisão não são mais bem conhecidos, resta-nos dar os parabéns ao PS, em geral, e a António Costa, em particular, que conseguiu aquilo que queria. Quem se mete com o PS, leva. Não acredito que o Ministério Público vá travar processos no presente. Mas talvez mostre um pouco menos de entusiasmo a investigar certos processos no futuro.