Unidades de Saúde Familiar "não são a solução universal para todos os problemas"

Serão as Unidades de Saúde Familiares geradoras de valor em saúde ou um mito urbano? É esta a pergunta que a faculdade Nova School of Business & Economics lança num debate. Em entrevista ao PÚBLICO, Pita Barros diz que é preciso ter em conta as heterogeneidades de profissionais e utentes.

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As Unidades de Saúde Familiar (USF) têm sido o chapéu da reforma dos cuidados de saúde primários, substituindo os tradicionais centros de saúde. O Governo tem prometido o aumento das USF para melhorar aquela que deve ser a porta de entrada nos serviços de saúde, mas será que este modelo é o garante de melhor acesso e melhores resultados? Serão as USF geradoras de valor em saúde ou um mito urbano? É esta a pergunta que o economista da saúde Pedro Pita Barros e José Luís Biscaia, responsável pela Coordenação Nacional para a Reforma dos Cuidados de Saúde, debatem esta quinta-feira na faculdade Nova School of Business & Economics, em Carcavelos. Em entrevista ao PÚBLICO, Pita Barros diz que todos os modelos têm vantagens e desvantagens e é preciso ter em conta as heterogeneidades de profissionais e utentes.

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O debate organizado pela Nova SBE discutir se as Unidades de Saúde Familiar são geradoras de valor em saúde ou um mito urbano. Qual a sua opinião?
Tem um bocadinho das duas. Elas são obviamente geradoras de valor. Trazem algumas vantagens, mas também não são a solução universal para todos os problemas. Devemos ter sempre em mente que o objectivo é todos os portugueses serem seguidos por um médico de família. Isto surge porque existe um objectivo concreto de ter mais USF tipo B até ao fim da legislatura. A questão é se esse é o único modelo organizativo que permite atingir esse objectivo ou se é outro. A ideia dos mitos urbanos nasceu porque se isto é tão bom, porque é que ainda sobrevivem tantos centros de saúde tradicionais (UCSP). Todos os modelos organizativos têm vantagens e desvantagens.

O futuro será a coexistência de vários modelos?
Pode ser. Desde que as regras sejam muito claras do que é que significa estar numa coisa e na outra e que a capacidade de servir a população seja basicamente a mesma.

Coexistindo os dois modelos, faz sentido que exista um diferencial tão grande no pagamento dos profissionais de saúde?
Não, mas decorre do modelo. Do ponto de vista de quem olha de fora, não há nenhum problema em que estejam a ganhar mais. Mas se isso cria uma tensão entre os que estão nas unidades tradicionais e os outros, cria. Isso tem de ser gerido internamente dizendo "se quiserem ter a mesma oportunidade, podem tê-la".

O que é que entronca agora aqui, que quebra o “se quer o mesmo, pode fazer”, é que o poder político neste momento não permite essa passagem a USF B. O que nos leva à questão política: se podem ter melhores resultados porque é que não os deixam tentar fazer isso? Aqui pode ser uma visão de curto prazo de que o maior gasto em salário torna-se visível e a poupança do valor gasto em medicamentos é menos visível.

Há uma incongruência entre o discurso político e a realidade?
Sim. No sentido em que provavelmente o que está a ser o travão tem a ver com a componente financeira, portanto deve ter a ver com a ligação ao Ministério das Finanças. Voltamos a ter uma daquelas zonas em que o que o Ministério da Saúde quer, o Ministério das Finanças desconfia porque acha que pode ser um poço sem fundo. Esse receio podia ser acutelado se eles pensassem em mecanismos que gerissem isso.

De que tipo?
No caso das USF (e agora vou estar a fazer brainstorming no sentido em que não é nada que alguém tenha proposto), se o problema é não ter a certeza se vai resultar, então podemos fazer uma certa dilação no tempo com um contrato que estabeleça: passam a USF B, mas o que vão receber nos primeiros três anos é o que receberiam estando nas outras circunstâncias. Se mostrarem melhores resultados, então nos anos quatro a seis, haverá também a reposição do incentivo relativo a isso. Tem é de ser um contrato assinado e respeitado por ambas as partes.

Olhando para os dois modelos que agora convivem, é possível dizer qual deles gera mais valor?
A qualidade que gostaríamos de medir é uma qualidade de longo prazo que nunca vamos conseguir medir bem. Há uma franja da população que o que pretende ter é uma solução de problemas relativamente menores de uma forma muito rápida. Mas se eu tiver diabetes, hipertensão, quero que tenham tempo para estar comigo. Isto também pode criar um espaço para diferentes modelos organizacionais, onde se entronca esta heterogeneidade das pessoas com a dos profissionais – a característica principal das USF é serem organizadas em grupos mais pequenos e depois o modelo B tem a lógica de ter pagamentos por desempenho. Pode haver pessoas que funcionem muito melhor nesta lógica de grupo das USF e outras na lógica das UCSP, porque gostam de ter uma prática mais individual.

Nós estamos demasiado habituados a pensar num sistema de saúde que dá tudo igual para todos, sem pensar como é que nós lidamos com esta heterogeneidade. Um dos mitos urbanos que pode estar em cima da mesa é que as USF são a única solução para atender melhor, para poupar mais. Significa que então devemos deixar de ter USF? Não, elas têm algumas vantagens também. Isto está cheio de cinzentos. 

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