Governo invoca “recato” para não esclarecer dúvidas sobre zona franca
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais opta pelo silêncio enquanto dura investigação de Bruxelas ao regime fiscal da Madeira e deixa Mariana Mortágua sem resposta sobre controlo dos postos de trabalho.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, optou por não responder nesta quarta-feira às dúvidas que lhe foram colocadas no Parlamento sobre a fiscalização exercida pelo Estado português em relação às empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira (ZFM), invocando como razão para o silêncio o facto de querer manter “algum recato” enquanto dura a investigação da Comissão Europeia ao regime fiscal. Um processo ainda sem prazo para acabar.
O assunto, raras vezes discutido na Assembleia da República, ecoou na sala do Senado pela mão da deputada do BE, Mariana Mortágua, durante uma audição onde Mendonça Mendes respondia em nome do Governo sobre o último relatório de combate à evasão fiscal e sobre o novo plano até 2020.
Mortágua disse haver dúvidas de que as regras de criação de postos de trabalho sejam cumpridas por todas as empresas da ZFM, um dos problemas detectados pela Comissão Europeia. E pediu explicações ao Governo: “Sabemos que há um conjunto de empresas que abusam do Centro Internacional de Negócios da Madeira sem verificação sobre se as moradas são verdadeiras ou falsas, partilhando trabalhadores entre si. E era importante perceber qual é a avaliação feita [pelo Estado português]”.
Quando chegou o momento de responder, Mendonça Mendes não se pronunciou sobre as dúvidas levantadas, argumentando com o facto de estar de pé a investigação de Bruxelas, desencadeada a 6 de Julho. Ao Parlamento, garantiu que tanto o Governo da República como o Governo Regional estão a colaborar com Bruxelas “prestando toda a informação”. E para justificar o silêncio em relação ao que Mariana Mortágua afirmara, acrescentou: “Enquanto decorre esse procedimento devo manter algum recato sobre aquilo que é a relação que estamos a ter com a Comissão Europeia e a divulgação dessas informações”.
Bruxelas está a confrontar Portugal sobre o cumprimento das regras aprovadas pela própria Comissão nas decisões de 2007 e de 2013 (o chamado “regime III” da zona franca), isto é, tem dúvidas de que algumas empresas que receberam benefícios fiscais cumpram os requisitos previstos nas regras em vigor, e que cabe a Portugal verificar se foram cumpridas. São duas as dúvidas, sobre se “os lucros das sociedades que beneficiam de reduções do imposto sobre o rendimento foram obtidos exclusivamente de actividades realizadas na Madeira; e sobre se as empresas beneficiárias geraram e mantiveram efectivamente empregos na Madeira”.
Como o PÚBLICO revelou em Maio, a fiscalização feita pelo fisco só foi auditada duas vezes em 15 anos pela Inspecção-Geral de Finanças, uma vez em 2003 e outra em 2011.
Nesta quarta-feira, no Parlamento, a questão apenas foi levantada pela deputada do BE. Depois de uma primeira resposta de Mendonça Mendes, Mortágua ainda voltou a insistir no assunto numa nova ronda de perguntas, considerando que “a investigação da Comissão Europeia não substitui a investigação que o Governo português deve ter relativamente a este regime”. Mas o secretário de Estado ignorou o tema e não mais voltou a falar sobre a ZFM.
Mariana Mortágua afirmara: “Continua a ser muito estranho que um relatório [do Governo] que se dedica especificamente ao [combate ao] planeamento e à evasão fiscal não diga uma palavra sobre este regime. Não há uma única. Parece-me difícil de compreender que não haja o mínimo de avaliação sobre este sistema”.
Falta de resposta
No início de Maio, dois meses antes de Bruxelas ter aberto a investigação aprofundada, o ministério liderado por Mário Centeno prestou algumas informações ao PÚBLICO sobre o controlo fiscal das empresas, mas não respondeu a todas as perguntas dirigidas em sucessivos e-mails, incluindo às que foram enviadas 15 dias antes de Bruxelas notificar Portugal.
Já depois disso, recusou dar mais explicações sobre a investigação. E mais tarde, já em Agosto, o PÚBLICO fez um requerimento ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a pedir acesso aos relatórios anuais de aplicação do regime de auxílios de 2007 a 2017, assim como a informação sobre o número de entidades, número de postos de trabalho directos, imposto liquidado e despesa fiscal em cada um daqueles 11 anos, mas não obteve resposta. O silêncio obrigou o PÚBLICO a apresentar uma queixa na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que emitirá uma recomendação. No Portal das Finanças há dados sobre a despesa fiscal mas não sobre todos aqueles anos.