Para desmoer
A vida está sempre a moer-nos, a gastar-nos, a lixar-nos com lixa. Desmoer é tentar fugir a essa condição.
Para o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, “desmoer” é “um termo que se usa em alguns meios populares, mas ainda não está dicionarizado, nem se prevê que venha a estar nos tempos mais próximos”.
Já esmoer, segundo o Dicionário Priberam, é “triturar com os dentes (remexendo muito na boca), mastigar, ruminar”.
Por exemplo: “Esmoa-me essa pêra parda bem esmoída que ela é rija como uma grade.”
Diz-se que desmoer é fazer a digestão. Não pode ser. O passeio que se vai dar para desmoer é, de facto, para ajudar a fazer a digestão. Ou seja, a digestão é beneficiada pelo desmoer. Logo, não pode ser a mesma coisa.
Depois de uma lauta refeição ninguém diz: “Nem me vou levantar da mesa. Vou ficar aqui a desmoer.” A digestão dá-se sempre, mas não se está sempre a desmoer.
Desmoer é contrariar o que nos mói o juízo, o moral, o caparro. Moer é estafar, reduzir-nos a fanicos no eterno moinho de água que é existir. Somos como sardinhas moídas por todas as outras sardinhas em cima de nós.
A vida está sempre a moer-nos, a gastar-nos, a lixar-nos com lixa. Desmoer é tentar fugir a essa condição. Atravessa-se um campo para desmoer. Descalça-se um pé. Assobia-se.
A vida também nos esmói. Tritura-nos com os dentes, remexendo muito na boca, mastigando-nos. Nós podemos ficar a esmoer, ruminando sobre a nossa sorte, ou tentarmos desmoer um bocadinho.
Moídos e esmoídos pelos dentes das engrenagens da máquina de esmagar humanos, somos simultaneamente ralados pelas ralações do dia-a-dia.
Não podemos ganhar. Só nos resta desmoer.