Idoso morreu após alta. Regulador diz que não teve os cuidados adequados

Idoso atendido no serviço de atendimento permanente de Oliveira do Hospital morreu dois dias depois de ter recebido alta. Entidade Reguladora da Saúde enviou resultados do inquérito para a Ordem dos Médicos.

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Rui Gaudencio

“Os cuidados prestados ao utente não foram tempestivos, nem adequados”. É esta a conclusão da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) no inquérito aberto à morte de um homem de 73 anos 48 horas depois de ter tido alta do serviço de atendimento permanente de Oliveira do Hospital. A deliberação, divulgada esta quarta-feira, foi enviada à Ordem dos Médicos, depois do perito ouvido pela ERS ter concluído que as boas práticas podem não ter sido cumpridas.

O caso remonta a Fevereiro de 2016, embora a reclamação da filha do idoso só tenha sido recepcionada pela ERS cerca de um ano depois. De acordo com a queixa, o idoso foi transportado pelo INEM no dia 5 de Fevereiro de 2016 para o serviço de atendimento permanente (SAP) de Oliveira do Hospital – serviço que pertence ao Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Interior Norte – depois de ter sofrido uma queda em casa. Diz a filha que o médico que atendeu o pai não deu atenção aos sintomas que este apresentava, nomeadamente falta de ar, de equilíbrio e dores de cabeça. O idoso teve alta e foi enviado para casa.

Por considerar que este não estava bem, a filha levou-o à urgência básica de Arganil, onde lhe fizeram análises. Após o resultado destas, o homem foi encaminhado para a urgência do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). A realização de mais exames mostrou uma “extensa tromboembolia pulmonar bilateral e trauma dos ossos do nariz; fractura da parede anterior, interno e afundamento do pavimento do seio maxilar esquerdo e ainda suspeita de hemorragia intra globo ocular”. Foi internado na unidade de cuidados intensivos coronários, acabando por falecer dois dias depois.

Aparelho de raios X obsoleto

Contactado pela ERS, o Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Interior Norte (ACES PIN) deu conta de um procedimento interno da Administração Regional de Saúde do Centro – entidade responsável pelos centros de saúde da região – que concluiu em Maio de 2017 não existirem evidências de negligência médica.

Mas reconheceu a falta de condições do SAP, referindo que o serviço que serve um concelho de 20 mil habitantes e funciona 24 horas por dia só tem uma equipa constituída por um médico, um enfermeiro, um assistente técnico e um assistente operacional. “Tem como meios complementares de diagnóstico um aparelho de raios X obsoleto que funciona das 9h às 17h nos dias úteis e um electrocardiograma simples, não havendo outro tipo de elementos complementares de diagnóstico facilitadores das atitudes clínicas nomeadamente qualquer tipo de análises”, explica ainda o ACES.

O SAP também não tem meios próprios para transporte de doentes e qualquer deslocação tem de ser assegurada pelo encaminhamento do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU). Contacto que não foi feito por o médico que atendeu o idoso ter considerado que este estava bem e o aparelho de raios X não ter mostrado evidência de fracturas.

Numa exposição, o médico explica que atendeu o doente após este ter caído em casa “devido a um episódio de síncope, apresentando na altura hemorragia nasal ligeira”. Refere que este apresentava debilidade e cansaço geral, sintomas que tinham sido tratados dias antes por outro médico, e que o doente nunca se queixou de falta de ar ou saturação baixa de oxigénio, “porque senão o doente não teria tido alta”.

O médico, um prestador de serviços, deixou de trabalhar no SAP em Maio de 2017.

Boas práticas

Para o perito-médico ouvido pelo regulador, a falta de ar para pequenos esforços, aparentemente sem queixas anteriores, devia “ter levantado suspeitas para doença cardiopulmonar aguda, o que não sucedeu”. A situação de síncope também deveria ter elevado a suspeita, acrescenta o perito, que considera que a falta de meios complementares de diagnóstico não invalida a transferência do doente para outra unidade com mais meios disponíveis.

“Igualmente, e ressalvando que o doente poderia ter feito o traumatismo da cabeça no intervalo entre a observação no SAP e a chegada ao SU [serviço de urgência] do CHUC, o que não parece provável, é de supor que as fracturas descritas no SU do CHUC poderiam ser observadas no [aparelho de] raios X efectuado no referido SAP”, afirma ainda o perito, considerando que a presença de apenas um médico no SAP “não parece garantir as condições mínimas para funcionamento do mesmo”.

“A reclamação deve ser avaliada por pares, uma vez que as legis artis [boas práticas] parecem não ter sido cumpridas”, conclui o perito, levando a ERS a encaminhar estas conclusões para a Ordem dos Médicos.

Nova observação

Para a ERS, da análise dos dados “resulta que os cuidados prestados ao utente não foram nem tempestivos, nem adequados, desde logo porque, atentos os indícios existentes, a actuação do prestador não se orientou numa lógica preventiva”. Lógica que apontaria “para a necessidade de, pelo menos, o utente não receber alta médica imediatamente e no próprio dia”, mas antes ser novamente observado e realizar exames adicionais. Salienta ainda que cabe aos médicos avaliarem, “com profundidade”, a situação clínica dos utentes, não se limitando às queixas no imediato.

Diz o regulador que “é, no mínimo, estranho que, pouco depois de observado e ser enviado para casa com alta médica, o utente tenha recebido, uma vez chegado ao CHUC, um diagnóstico como o supra referido, em especial, a tromboembolia pulmonar”.

A Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro também se pronunciou sobre o caso, contestando a avaliação do perito ao dizer que este não avaliou o exame de raios X feito no SAP e por isso não pode dizer que as fracturas seriam visíveis. E salientou o facto de o doente não se ter queixado de falta de ar e de só as análises, que o SAP não tem disponíveis, terem levado a uma transferência para o CHUC.

A contestação não alterou a decisão da ERS, que considerou "no mínimo, estranho que a ARS Centro se sirva do facto de o próprio aparelho de raios X estar obsoleto para contrariar o entendimento do perito". O regulador instruiu o ACES a “garantir, em permanência, que, na prestação de cuidados de saúde, são respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes” e “a realização de todos os meios complementares de diagnósticos aplicáveis de acordo com as boas práticas clínicas vigentes, assegurando uma adequada prestação de cuidados de saúde face ao hipotético diagnóstico em presença, se necessário articulando, para esse efeito, o reencaminhamento célere do utente para outras unidades hospitalares”.

À ARS Centro foi recomendado que garanta que aos utentes da área de influência do SAP do Centro de Saúde de Oliveira do Hospital “sejam assegurados os cuidados de saúde de qualidade e tecnicamente mais correctos, os quais devem ser prestados com prontidão e num período de tempo clinicamente aceitável e com recurso aos meios humanos e técnicos adequados, garantindo, sempre que necessário, a célere referenciação para uma unidade hospitalar”.

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