Harper tem nove anos e diz que o hino australiano não é inclusivo. Por isso, não se levanta
Harper Nielsen, nove anos, não se levantou durante o hino nacional australiano por considerar que parte da letra é desrespeitosa para com a população indígena. O protesto foi amplamente criticado por políticos australianos. “Não sou alguém que segue as regras das pessoas mais velhas só porque elas são mais velhas.”
Tem nove anos e começou por se recusar a levantar e a cantar o hino nacional australiano nas assembleias da escola. Harper Nielsen diz que a letra da canção é desrespeitosa e injusta para com a população indígena australiana. “Não sou alguém que segue as regras das pessoas mais velhas só porque elas são mais velhas”, justificou-se, em entrevista a um canal de notícias do país, o Nine News. "Eu imagino o que sentiria se fosse uma pessoa indígena e visse todos os meus amigos a cantar o hino nacional."
Depois do protesto pacífico — que se terá repetido mais do que uma vez e resultado num castigo da escola — se ter tornado público, vários políticos australianos pediram que a criança “fosse suspensa” por desrespeitar o hino e os veteranos do país. Pauline Hanson, senadora e fundadora do partido nacionalista Pauline Hanson's One Nation Party (PHON), defendeu num vídeo publicado no Twitter que as escolas estão a fazer “lavagem cerebral” aos alunos. “Esta criança está a ir num mau caminho e eu culpo os pais por encorajarem isto”, atirou, com a bandeira australiana no fundo.
9 YEAR OLD REFUSES TO STAND FOR NATIONAL ANTHEM
— Pauline Hanson ???? (@PaulineHansonOz) 12 de setembro de 2018
"Good on the school for trying to instill the respect for our National anthem and pride in our country." @PaulineHansonOz
Join the conversation on Facebook: https://t.co/DREXBZlKip pic.twitter.com/cdMtd300it
Já o antigo primeiro-ministro australiano Tony Abbott disse que a criança devia “seguir as regras” e que levantar-se durante o hino nacional “é um sinal de cortesia e de boas maneiras”. Curiosamente, Abott ocupa desde Agosto o cargo de “representante para assuntos indígenas”. A nomeação foi, na altura, contestada pelos líderes aborígenes que asseguraram que podem defender-se por eles mesmos.
Harper Nielsen diz não concordar com a parte da letra do Advance Australia Fair em que se canta “Australianos, vamos todos alegrar-nos, porque somos jovens e livres” (Australians all let us rejoice, for we are young and free, na versão original). A criança acredita que a “frase é injusta” ao proclamar que a Austrália é uma nação “jovem”, já que “ignora” os "50 mil anos" em que os "indígenas australianos estiveram aqui antes da colonização”. Harper acredita ainda que o hino só se refere “à progressão de pessoas brancas” e não a toda a população australiana. A escola terá dito que ela poderia não cantar ou sair da sala, mas Nielsen terá preferido ficar na sala para “provar um ponto de vista”.
Shame on her parents for using her as a political pawn.Stop the silly protest and stand and sing proudly your National Anthem. Refusing to stand disrespects our country and our veterans. Suspension should follow if she continues to act like a brat #qldpol https://t.co/F0StkeBJDa
— Jarrod Bleijie (@JarrodBleijieMP) 12 de setembro de 2018
O pai, Mark Nielsen, mostrou-se “impressionado e incrivelmente orgulhoso” pela forma como a criança lidou primeiro com o protesto e depois com a controvérsia que a acção gerou, a nível nacional. “Estou espantado com a capacidade dela de ver coisas que não parecem certas e por ter a força de as tentar mudar”, defendeu, na mesma entrevista. Quanto às críticas, diz não concordar com quem chamou à filha “mimada, sem antes a conhecer”, mas acredita que toda a gente “tem o direito de ser livre e de dizer o que sente”.
Num comunicado, citado pela CNN, o departamento da educação do estado de Queensland disse que a escola nunca sugeriu que a aluna fosse “suspensa ou expulsa”. “A Kenmore South State é uma escola inclusiva e tolerante, que apoia os vários pontos de vista de todos os estudantes e famílias.”
Num país com 23 milhões de habitantes, 2% pertencem a grupos nativos (650 mil). A maior parte desta comunidade concentra-se no estado de Queensland, onde vive Harper Nielsen. Segundo os dados mais recentes do instituto australiano Lowitja, que investiga a saúde e bem-estar de grupos indígenas, a população aborígene e os nativos das ilhas do Estreito de Torres vivem em média menos dez anos (71,4 anos), tem o dobro da taxa de mortalidade infantil (6,1 em cada mil nascimentos) e mais do dobro da taxa de mortalidade materna (18,7 em cada 100 mil mulheres que dão à luz).
O mesmo se passa em relação aos suicídios, abuso de álcool, obesidade e desemprego (20,8 % contra 5,8%). “Enquanto país rico, isto continua a ser a nossa vergonha”, disse Romlie Mokak, o chefe executivo do instituto à CNN, no início de 2018, a propósito das celebrações do Dia da Austrália, 26 de Janeiro.
Recentemente, um acto semelhante, protagonizado por Colin Kaepernick — que se ajoelhou durante o hino norte-americano como forma de protesto contra a injustiça racial e a violência policial no país — e outros jogadores da liga nacional de futebol americano (NFL), voltou a ser falado quando a Nike contratou o antigo jogador para ser umas das caras da campanha que assinala o 30.º aniversário do slogan Just Do It. Como forma de mostrar o desagrado pela escolha, alguns clientes cortaram o símbolo das meias, pegaram fogo às sapatilhas e juraram nunca mais comprar nada da marca.