Construção de casas para herdeiros de vítimas mortais debaixo de dúvidas

Estão a ser reconstruídas três habitações na região de Pedrógão e duas do 15 de Outubro que pertenciam a pessoas que morreram e cujos herdeiros não viviam lá. População indigna-se. Decisão de reconstruir não foi sempre a mesma.

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Os herdeiros têm direito à reconstrução de casas onde não moram? O processo de decisão foi complexo, com avanços e recuos,Os herdeiros têm direito à reconstrução de casas onde não moram? O processo de decisão foi complexo, com avanços e recuos Nelson Garrido,Nelson Garrido
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Nos incêndios de Junho, houve 261 casas que foram ou estão a ser reconstruídas Adriano Miranda

A indignação nos concelhos afectados pelos incêndios do ano passado em torno da reconstrução de algumas habitações ardidas tem subido de tom nos últimos tempos. Na mira das críticas estão também casas de vítimas mortais que estão a ser construídas para herdeiros, que não viviam na região, numa altura em que há casas de primeira habitação que ainda não foram terminadas. A justificação para a sua reconstrução encontra-se nos meandros do código civil, mas houve diferentes interpretações ao longo do tempo e até um caso que chegou à Provedoria de Justiça.

Das 261 casas reconstruídas pelo Revita, o fundo público que gere o destino dos donativos e que apoia a reconstrução parcial ou total de casas de primeira habitação, e por várias entidades privadas, houve uma lista (feita por moradores da zona) de 30 situações que levantavam dúvidas. Entre esses casos, o mais frequente é o da alteração da morada fiscal depois do incêndio, transformando segundas habitações em habitações permanentes, como relatado pela Visão e mais tarde pela TVI, situações que estão a ser investigadas pelo Ministério Público. Nos restantes, há casos com alguma especificidade (como o apoio a uma pessoa com deficiência de 69%) ou reconstruções que foram apoiadas por entidades privadas, não dependentes das regras do Revita.

Dos processos analisados pelo PÚBLICO, junto de várias entidades envolvidas na reconstrução, a maioria está conforme a legislação, mas há cinco que, admitem os envolvidos, carecem de explicação apesar de serem considerados regulares. É o caso de habitações que foram construídas depois da morte dos proprietários: duas em Castanheira de Pêra e uma em Pedrógão Grande. E há mais duas situações relativas aos incêndios de 15 de Outubro, aos quais se aplicam regras específicas.

Casas para herdeiros

Dídia Augusto vivia sozinha numa casa no lugar da Balsa, Castanheira de Pêra, e morreu na noite do incêndio. A casa onde vivia já foi reconstruída para os herdeiros. O mesmo se passou com o casal António Lopes e Maria Augusta Ferreira, que viviam no lugar em Moita, a sua casa está neste momento em construção. Já José Tomás faleceu meses depois do fogo, mas mesmo assim foi considerado que os seus herdeiros tinham direito à reconstrução da sua casa em Nodeirinho, Pedrógão Grande. A decisão foi tomada, tendo ou não a morte relação com o incêndio, e mesmo que as casas não sejam - nem venham a ser - habitação permanente dos herdeiros. Esta diferença nas regras para com os restantes processos foi uma das questões levantadas ao PÚBLICO por vários populares. 

A 27 de Julho de 2017, pouco mais de um mês depois do incêndio, uma dúvida surgiu no âmbito do Conselho de Gestão do Fundo Revita: o que fazer com as casas das pessoas que morreram? "Tendo presentes fundamentos de ordem moral e ética de não prejudicar as famílias que sofreram maiores perdas materiais e humanas, o conselho de gestão transmitiu à comissão técnica o seu entendimento no sentido de serem consideradas para reconstrução as habitações permanentes nas quais faleceram os respectivos proprietários", responde ao PÚBLICO esta entidade.

Em causa está o direito sucessório, consagrado no código civil, que dá aos herdeiros o direito sobre os bens do falecido. "O direito sucessório diz que o herdeiro tem direito aos bens e direitos da pessoa que lhe deixou a herança. Se a pessoa que morreu, no incêndio ou posteriormente ao incêndio, vivia na casa e a sua casa ficou danificada pelo incêndio, tem direito ao apoio. Se ela morre, os seus herdeiros herdam esse direito, independentemente de viverem na casa ou não", responde ao PÚBLICO a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Ana Abrunhosa, que faz parte da equipa de Pedrógão e que tem a seu cargo, a 100%, o Programa de Apoio à Reconstrução de Habitação Permanente, criado com dinheiro do Estado para a reconstrução das casas ardidas nos incêndios do dia 15 de Outubro. 

Caso de Outubro gera queixa

Se em relação às habitações de Pedrógão Grande houve desde o início o entendimento de que as casas das vítimas mortais eram para reconstruir, o mesmo não aconteceu nos incêndios de Outubro. Durante a validação dos processos, a CCDRC recusou a construção de uma habitação a herdeiros de uma casa no concelho de Vouzela. Estes fizeram chegar a queixa à Provedoria de Justiça, que pediu esclarecimentos à CCDRC sobre o porquê de este processo ter sido recusado. Para esta entidade, as vítimas mortais, proprietárias da casa, tinham reunidas "as condições de "elegibilidade legalmente impostas para efeitos de aplicação dos benefícios" e "considerando que a sucessão mortis causa opera a transmissão de direitos existentes no património do de cujus na altura do falecimento", lê-se num ofício a que o PÚBLICO teve acesso. 

Na resposta, a CCDR admite que numa primeira avaliação tinha considerado que "os herdeiros (ou pelo menos um deles) teriam de comprovar aquando da candidatura ao apoio, além da qualidade de herdeiro do proprietário do imóvel danificado ou destruído, que iria fazer do mesmo a sua habitação permanente", uma vez que os apoios foram direccionados apenas para estas habitações e não para segundas habitações.

"Neste caso concreto, a provedora vem esclarecer uma decisão errada da CCDRC", explica Ana Abrunhosa, que alterou a sua decisão e acabou por apoiar a reconstrução de duas casas nos concelhos afectados pelo 15 de Outubro. "O ofício da provedora veio permitir alterar as nossas decisões relativas a Outubro (pois não estávamos a apoiar estes casos) e veio, na minha perspectiva, confirmar as decisões de Junho", acrescenta.

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