Cinemateca vai iniciar classificação dos filmes portugueses como tesouros nacionais
A instituição celebra 70 anos e vai assinalá-los com eventos entre Setembro deste ano e Junho de 2019.
A Cinemateca vai iniciar a classificação dos filmes portugueses como tesouros nacionais, segundo um processo que, "apesar de parecer óbvio, é altamente pioneiro", disse José Manuel Costa, director da Cinemateca Portuguesa, à agência Lusa. Esta é uma das iniciativas que a Cinemateca quer concretizar nos próximos meses para assinalar, no âmbito de um programa alargado, os 70 anos da sua fundação.
A classificação, diz o responsável, "tem um impacto simbólico e um impacto prático e implica uma responsabilidade acrescida do Estado". Sublinha ainda que está em causa um "testemunho absolutamente precioso e inestimável sobre a história e a vivência do século XX".
O processo de classificação começará com um conjunto de filmes da época do cinema mudo e do período de obras fixadas em nitrato, até 1950. Actualmente, no que toca a património ligado ao cinema português, apenas está classificado, como um todo, o património da Tobis.
A celebração dos 70 anos da fundação da Cinemateca Portuguesa decorrerá entre Setembro deste ano e Junho de 2019. O sinal de partida é dado no próximo dia 29, com o lançamento do primeiro volume "de uma obra imensa, gigantesca", de textos de João Bénard da Costa, cinéfilo e antigo director do organismo.
A 16 de Novembro, haverá "uma jornada especial de homenagem ao cinema português", com uma sessão ininterrupta de quatro horas em que serão exibidas "bobinas, fragmentos de filmes de todos os géneros e de todas as épocas do cinema português.
Ainda em Novembro decorrerá um colóquio internacional, e um ciclo intitulado "70 anos 70 filmes", com obras que fizeram parte da história da Cinemateca e outras que fazem um retrato do que é hoje o cinema contemporâneo.
À boleia dos 70 anos, a Cinemateca irá mostrar, em Dezembro e em Janeiro, toda a obra cinematográfica de Manoel de Oliveira, quando passam 110 anos do aniversário do nascimento do realizador.
Estão previstas várias edições literárias, como um livro de conversas com Luís Miguel Cintra, outro sobre o percurso histórico da Cinemateca e um inédito sobre a história do cinema, direccionado para crianças, em articulação com a Cinemateca Júnior.
Segundo José Manuel Costa será ainda impulsionado um projecto sobre a memória oral, para deixar registado, em imagem e em som, intervenções de pessoas de "toda a actividade do cinema em Portugal".
Na página da Cinemateca, onde já é possível visionar alguns filmes dos arquivos do Museu do Cinema, serão disponibilizadas digitalizações de jornais de actualidades (1953-1970), os filmes informativos que eram exibidos antes das sessões de cinema durante o Estado Novo.
Com o mandato de direcção, de cinco anos, a terminar em 2019, José Manuel Costa quer ainda celebrar os 70 anos da Cinemateca com uma nova iniciativa de "Dia aberto" a visitas guiadas, e com a constituição, há muito anunciada, da Associação dos Amigos da Cinemateca.
Esta será a primeira vez que a Cinemateca celebra a data da sua fundação, enquanto entidade pensada para criar uma colecção fílmica e documental e preservá-la. Até aqui, era assinalada habitualmente a abertura oficial da Cinemateca ao público, com sessões de cinema iniciadas a 29 de Setembro de 1958.
"Significa que todas as actividades internas da Cinemateca já existiam há uma década. Uma cinemateca não são só sessões de cinema", disse José Manuel Costa.
Críticas ao subfinanciamento
"Estamos a lutar pela sobrevivência, quando devíamos estar a responder a novos desafios e a uma dinâmica de conjunto que está a evoluir muito depressa. As cinematecas estão a mudar, o contexto digital mudou muita coisa, todo o panorama de trabalho é bastante diferente (...) e não estamos a poder usar o nosso próprio potencial", lamentou José Manuel Costa sobre a situação financeira da instituição.
Não é de agora a crítica ao subfinanciamento e aos constrangimentos decorrentes do estatuto de instituto público da Cinemateca. José Manuel Costa, director desde 2014, recorda que as leis de controlo orçamental limitam e prejudicam a actividade da Cinemateca.
E deu como exemplo a dificuldade de contratar trabalhadores especializados, porque está limitada ao sector da Administração Pública, ou ainda o caso do laboratório de restauro fílmico, uma das mais-valias da Cinemateca a nível internacional, ameaçado "a curto prazo de desaparecimento" por esses "constrangimentos administrativos".
O director sublinha que a tutela — o Ministério da Cultura — está a par da situação, a quem foi apresentada uma proposta de modelo de gestão para fundação pública de direito privado, e que há um "diálogo intenso" em curso.
"Nós temos que pensar que Cinemateca é que queremos. A Cinemateca não fechará, mesmo que tenha que parar ou diminuir substancialmente a sua actividade pública, o que já seria grave", disse.
José Manuel Costa disse que, sem uma mudança estrutural, não haverá condições para cumprir duas das grandes prioridades da Cinemateca: Promover a digitalização do cinema português e ter "um projecto consistente de descentralização".
Nem será possível avançar com outros projectos propostos, que tiveram "sinal positivo do senhor ministro": A criação de um pólo museográfico e uma estrutura de formação permanente na área dos arquivos de filmes, em parceria internacional.
"Estamos a esticar a corda até a um ponto em que, a muito curto prazo, vai rebentar (...) Isto que estamos a fazer não é sustentável com o quadro que temos. Consigo fazer à custa de uma tensão interna crescente, com serviços que estão altamente desestruturados, que estão muito carentes de pessoal", disse.
Este ano a Cinemateca contou com um orçamento que ronda os 4,5 milhões de euros, incluindo verbas alocadas do Fundo de Fomento Cultural, precisamente para fazer face ao corte sofrido no começo da década e à quebra de receitas provenientes da taxa de publicidade, a principal fonte de financiamento.