O ingrediente mais importante de qualquer cocktail é a água, de preferência gelada e medida a conta-gotas

Os cocktails são saboreados lentamente e são sujeitos a variações térmicas. O cocktail bem concebido deve partir da frieza extrema para poder ser terminado a uma temperatura máxima de 10 graus.

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Paulo Pimenta

A grande diferença entre os Estados Unidos e a Europa no que toca aos cocktails é a temperatura. Lá as bebidas são servidas muito frias. Cá são servidas apenas frias.

A vantagem de um cocktail muito frio é a amplitude. Começa-se a beber muito frio mas, logo a seguir, conhecem-se os sabores expansivos à medida que o cocktail aquece.

O frio é um prazer em si. Há quem não goste de frio — as pessoas que sofrem do chamado brain freeze, por exemplo — mas, na minha experiência, o que há mais em Portugal é um preconceito contra o frio que equivale ao desconhecimento de bebidas realmente frias.

Passa-se o mesmo com os vinhos brancos, incluindo os verdes e os espumantes. Digamos que é entre os 10 e 12 graus centígrados que se obtém o melhor equilíbrio entre frieza e gostosura. O problema (para quem bebe devagar, apreciando o vinho) é que o vinho servido a essa temperatura aquece depressa, perdendo imediatamente esse equilíbrio.

Daí que seja melhor servir o vinho a 8 graus e ter o prazer de acompanhar os aromas e sabores enquanto se vão abrindo.

Passa-se o mesmo com os cocktails, com a agravante de serem mais alcóolicos. A regra tradicional — beber o cocktail gelado, enquanto está a rir-se para si — só faz sentido caso se bebam dois cocktails durante a noite. De resto, é uma receita para o desastre. A bebida fria tem pouco sabor a álcool e por isso sobe mais depressa à cabeça.

É por isso que nos bons bares os cocktails são servidos em copos pequenos com uma vasilha complementar, servida num pequeno balde de gelo, onde se encontra a outra meia dose da mesma bebida.

A verdade é que os cocktails são saboreados lentamente e por isso mesmo são sujeitos a variações térmicas. O cocktail bem concebido deve partir da frieza extrema para poder ser terminado a uma temperatura máxima de 10 graus.

Se gosta de fazer bebidas em casa, o melhor investimento é comprar um frigorífico — um frigorífico à parte, só para bebidas, sem cheiros de comida ou variações de temperatura.

Deve ter todos as bebidas alcoólicas com mais de 38 graus no congelador e todas as outras bebidas (vermutes, licores menos fortes) no frigorífico. Todos os utensílios usados para fazer cocktails (copo de mistura, copos, colheres) devem passar pelo congelador para refrescar.

Os destilados, quando estão a temperaturas muito baixas, tornam-se viscosos. Há quem goste assim, mas em geral os cocktails ficam excessivamente alcoólicos e pastosos.

O gelo não é só para arrefecer. É também para diluir. Mas isso não é razão para ter tudo à temperatura ambiente como fazem os bares, para encher o olho e para cumprir uma lei parva.

A solução é juntar aos cocktails um ingrediente salvífico: a água gelada. Tem a vantagem de poder acrescentar aquela que quiser, conforme vai provando.

Note-se que é isso que acontece quando se usam pedras de gelo. A diferença é que o gelo continua a derreter depois de ter chegado ao ponto ideal de sabor. O equivalente seria tirar as pedras de gelo quando se chegasse ao sabor que se quer.

Quanto à qualidade da água (e do gelo), convém lembrarmo-nos do antigo princípio segundo o qual um cocktail é tão bom como o ingrediente mais barato que contém. Em todos os casos: a água. Se usar um tríplice rasca com o melhor cognac para fazer um sidecar, o sabor dominante será o do tríplice rasca.

Acontece o mesmo com os cafés de filtro: pode-se fazer o café com menos água e depois adicionar água quente até obter a diluição desejada.

Outro truque, já agora, que melhora todos os cocktails, é dissolver um bocadinho de flor de sal nessa água gelada. A concentração depende do gosto de cada um. Sugiro 10 gramas de sal por litro.

Mesmo os whiskies e cognacs que vão ser servidos em bebidas com gelo ou usados em cocktails ganham em ser guardados no frigorífico. Por isso é que precisa de um frigorífico inteiro. Pode ser um dos mais baratos, já que não é necessária grande sofisticação.

Não sei como é que existem bares que continuam a usar, por exemplo, águas com gás e águas tónicas à temperatura ambiente. No caso das bolhas, a baixa temperatura ajuda a preservá-las.

A única coisa a usar à temperatura ambiente são os sumos espremidos. Mas isso é só porque são muito melhores acabados de fazer. Já experimentei guardá-los durante 20 minutos no congelador mas perdem logo o sabor fresco. É a única excepção que conheço.

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