Apoio a burlão preso embaraça PS de Castelo Branco

Associação responsável pela gestão de milhões de euros dos fundos europeus recua depois de anunciar a concessão de uma licença sem vencimento pedida pelo seu director executivo. Motivo do pedido: cumprimento de uma pena de prisão por burla e falsificação na sua actividade empresarial

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Daniel Rocha

Três semanas depois de anunciar a atribuição de uma licença sem vencimento ao director executivo da Adraces, António Realinho, para que este pudesse retomar o seu lugar após cumprir uma pena de prisão de quatro anos e meio por burla e falsificação, a direcção daquela associação, fundada há 26 anos por quatro câmaras socialistas do distrito de Castelo Branco, mudou de posição. Em resposta ao PÚBLICO veio agora dizer que, afinal, indeferiu o pedido de licença apresentado pelo gestor. Para provar que indeferiu esse pedido exibe uma acta com data anterior ao dia em que anunciou o seu deferimento.

A Adraces, Associação para o Desenvolvimento da Raia Centro-Sul, é a mais importante associação de desenvolvimento local da região e tem sido aí responsável pela gestão de muitos milhões de euros dos fundos europeus. Só no âmbito do SI2E (Sistema de Incentivos ao Empreendedorismo e ao Emprego no quadro do programa Portugal 2020) teve a seu cargo, no ano passado, a “análise e proposta de deliberação” final sobre as candidaturas para as quais havia uma dotação de 2,1 milhões de euros.

Para os seus próprios projectos recebe anualmente, em média, cerca de 300 mil euros da União Europeia e do Estado Português. Actualmente, é mesmo a representante oficial da Comissão Europeia na região das Beiras, Serra da Estrela e Beira Baixa.

António Realinho, que é também empresário e foi professor da Universidade Lusófona, foi até há dois meses um dos seus dois vice-presidentes. Mas enquanto director executivo, contratado pela associação logo em 1992, era o principal responsável pela selecção dos projectos financiados na região pelos fundos europeus. À frente da direcção da associação, encontra-se há muitos anos o antigo líder distrital do PS e ex-presidente das câmaras de Idanha-a-Nova e Castelo Branco, Joaquim Morão. O presidente da assembleia geral é Luís Correia, o sucessor de Morão na Câmara de Castelo Branco.

A condenação de Realinho e do seu sócio Fernando Miguel Pereira, um empresário de Proença-a-Nova, tem quase dois anos, mas só agora transitou em julgado, depois de ambos terem perdido todos os recursos que interpuseram contra a sentença inicial. Os dois homens deram entrada na cadeia de Torres Novas no dia três deste mês.

Na origem da sua condenação não estão factos relacionados com a Adraces, mas sim a sua actuação enquanto sócios e gerentes da Realcis, uma pequena empresa de construção civil.

O embaraço do PS

No entanto, a relevância de António Realinho no funcionamento da associação e na atribuição, ou não, de fundos públicos a empresas e organizações da região tem causado fortes embaraços nas estruturas locais do PS. Ainda assim, os dirigentes da associação, todos eles actuais ou antigos autarcas daquele partido, nunca se demarcaram do seu director executivo, sendo certo que os factos que levaram à sua condenação remontam a 2007 e são conhecidos desde então.

Questionado pelo PÚBLICO em Março deste ano acerca da manutenção em funções de António Realinho, meses depois da confirmação da sentença pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o presidente da associação garantiu que o assunto foi discutido em assembleia geral e que foi aprovada a sua permanência no lugar “até haver uma decisão definitiva” no processo. Porém, ao contrário do que fez em relação a outros documentos solicitados pelo PÚBLICO na semana passada, Joaquim Morão não respondeu ao pedido de cópia da acta da alegada reunião da assembleia geral.

A situação tornou-se particularmente delicada para o PS quando, no dia 3, António Realinho e Fernando Miguel começaram a cumprir a pena. Apesar disso, quatro dias depois, a direcção da Adraces fez saber ao semanário Reconquista que tinha “atribuído uma licença sem vencimento de longa duração” ao seu director executivo.

A notícia saiu na edição do jornal do dia 9, voltando a ser referida na edição seguinte e originando muitas reacções desfavoráveis ao apoio assim concedido a Realinho pela direcção da associação. O jornal voltou a sair no dia 23 sem que a concessão da licença tenha sido desmentida.

Uma acta misteriosa

Três dias antes, o PÚBLICO questionou a Adraces sobre o fundamento da concessão da licença ao seu director, uma vez que a lei considera como faltas injustificadas, e motivo de despedimento com justa causa, a ausência ao serviço dos trabalhadores em cumprimento de pena de prisão. Surpreendentemente, em resposta datada de dia 24, a direcção da associação negou que tal licença tivesse sido concedida e exibiu uma acta não numerada, com data de 6 de Agosto — três dias antes de a notícia do Reconquista —, em que se diz ter sido “indeferido” o pedido de licença de Realinho.

O documento, assinado por Morão e pelos presidentes das câmaras de Idanha-a-Nova e Penamacor, consiste numa folha avulsa igualmente não numerada. 

Já esta segunda-feira, Joaquim Morão negou ao PÚBLICO que tenha havido “qualquer recuo da direcção da Adraces” em relação à licença pedida por Realinho. “Acresce não corresponder à verdade que o signatário tenha dito ao jornal Reconquista que a direcção da Adraces tinha deferido a licença sem retribuição pedida pelo dr. Realinho”, escreveu também o presidente da associação.

Todavia, no dia seguinte à saída da notícia do Reconquista, Joaquim Morão afirmou a uma das vítimas das burlas de Realinho, Pedro Agapito, que estava a aguardar um parecer jurídico para tomar uma decisão sobre o pedido de licença sem vencimento.

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