Revisão do código do trabalho: muita parra, mas pouca uva

Esta revisão do Código de Trabalho não responde à questão central: como é possível que Portugal seja um destino preferencial para os estrangeiros que querem cá viver mas seja tão duro para quem quer cá trabalhar?

A aprovação, no passado mês de Junho, na generalidade, das alterações ao Código do Trabalho, como resultado do acordo de concertação social, dominou uma boa parte da atenção do Governo, deputados, associações patronais e sindicatos. A discussão foi muito centrada em torno de ganhos e perdas, ou sobre o papel da concertação social e a legitimidade da Assembleia da República para fazer alterações ao acordo. Receio, no entanto, que a discussão esteja a fugir do essencial.

O acordo de concertação social foi alcançado numa mesa negocial onde parceiros sociais muito relevantes, não herdeiros do ordenamento do PREC, estão ausentes: os sindicatos independentes (em inúmeros casos representando profissões de elevado conteúdo conceptual) e sectores patronais tão relevantes quanto o imobiliário, novos formatos de retalho, ou as tecnologias de informação.

E isso não será irrelevante para aquilo que o acordo permitirá alcançar, i.e. redução potencial da precariedade de emprego, mas, mais importante, para aquilo que não permite.

Esta revisão do Código de Trabalho, que entretanto baixou à comissão da especialidade, não responde à questão central: como é possível que Portugal seja um destino preferencial para os estrangeiros que querem cá viver, os reformados europeus, por exemplo, mas seja tão duro para quem quer cá trabalhar?

Não responde às preocupações dos empresários, pois para estes a estabilidade fiscal e regulatória, ou os custos de energia e de mobilidade aérea, ferroviária e marítima, são bem mais importantes do que tornar mais barato o custo laboral.

Não responde à necessidade de repor o consenso social, colocado em causa pelo descontrolo das contas públicas e pela tutela, subsequente, da troika. Esta, com base em ideologia que não encontra respaldo teórico ou empírico credível, preocupada que esteve com o ressarcimento dos credores internacionais, impôs uma violenta alteração do equilíbrio laboral. A diminuição das indemnizações por despedimento, ou a introdução da caducidade das convenções colectivas, foram e são dois exemplos nefastos da tentativa de desequilibrar as relações laborais. Com isto, empobrecendo a classe média e as famílias, destruindo o tecido social, reduzindo a parte dos salários no rendimento nacional para níveis que se aproximam do terceiro mundo (e cada vez mais distantes dos países do norte da Europa). Ou um modelo perverso de flexi-segurança nórdica, com hiperflexibilização (desregulamentação) mas sem a segurança, nem os apoios no desemprego daqueles países.

Não respondem estas alterações ao Código de Trabalho ao tema conexo da fiscalidade despropositada que incide sobre o trabalho quando comparada com o capital (dividendos, mais valias bolsistas, royalties…). Nem ao tema dos activos intangíveis, derivados de marcas e acesso a dados pessoais e de consumo, apanágio dos gigantes norte-americanos e chineses da Internet, não serem tributados em Portugal.

Não responde aos novos desafios introduzidos pela conciliação entre trabalho e família e não responde aos desafios trazidos pela digitalização. Não responde aos desafios de uma economia de "encomenda" onde microtransacções substituem as relações laborais estáveis.

Não responde aos desafios de uma sociedade que ostraciza trabalhadores "velhos" (acima dos 40 anos) e que os condena, em reestruturações empresariais sucessivas, ao desemprego de longa duração e a reformas antecipadas de miséria.

Valorizar a contratação colectiva e os cidadãos trabalhadores, e fazer alterações que traduzam uma capacidade prospectiva de antecipar as questões da globalização e digitalização é o que se espera da Assembleia da República e da discussão na especialidade a partir do próximo mês de Setembro. O que se espera e que exige, importa acrescentar.

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