Eu quero pagar o IRS por inteiro, desde já porque não sou nem mais nem menos do que os outros, os meus iguais, conterrâneos, portugueses tão portugueses como eu e sem culpa nenhuma das políticas responsáveis pelo êxodo de centenas de milhares de pessoas ao longo dos últimos dez anos.
Por uma questão de justiça, e justiça social, ou não fosse o objectivo primordial dos impostos o melhorar de um país no seu todo, e perdoem-me a ingenuidade.
E quantas vezes será preciso repetir que o cerne foi sempre a falta de trabalho, de condições de trabalho, segurança no trabalho, a ausência de uma carreira e de um futuro digno desse nome?
Nunca, senhor primeiro-ministro, foi minha preocupação pagar menos IRS. Quem me dera à data, desempregado, desesperado, esfomeado, poder pagar IRS! Era sinal de que tinha trabalho, um meio de subsistência, não mais sendo necessário sair do país e de tudo o que amo, a praia, o mar, a família, os amigos, uma vida em troca de vida nenhuma.
Senhor primeiro-ministro, lá fora sou professor e cá dentro gostaria muito de ser professor. No entanto, num país onde os meus colegas e amigos trabalham mais de 60 horas por semana e os ordenados insistem em não subir para além dos 1100 euros limpos por mês, não vejo no desconto no IRS um atractivo para regressar, até porque o regresso será sempre um regresso ao desemprego, com ou sem IRS, e lá voltamos nós ao mesmo, dez anos depois e tudo na mesma.
Senhor primeiro-ministro, graças a um erro da senhora da secretaria na contagem do tempo de serviço, um colega meu não vai ascender ao segundo escalão e outro vai passar um ano sem concorrer para uma escola, tendo o segundo já entrado em contacto comigo para saber como se vai lá para fora. Em ambos os casos o sindicato já se meteu ao barulho, mas não se pode provar nada e o mal já está feito.
Poderá o senhor primeiro-ministro garantir igualmente a competência de quem connosco trabalhará uma vez de volta? Não me parece, e entre a certeza do desemprego e as dores de cabeça à nossa espera, o generoso desconto no IRS não é senão areia para os olhos, como se Portugal fosse um paraíso à beira-mar plantado, e é, mas só para alguns. E enquanto assim for, senhor primeiro-ministro, muito obrigado mas não, prefiro continuar a pagar os meus impostos lá fora, incluindo o IRS. E por inteiro.