Violeta dançou por terra até se deixar cair nos braços do mar
Decidiu "dançar com o maior medo que tinha". Aprendeu a nadar na Tailândia, aquando de um "festival de dança subaquática". Bastou para estar, há dois anos, "numa relação séria com a água". Agora, organiza experiências “por terra e pela água” em viagens de turismo sustentável. Para todos os que queiram “fluir”.
Até fazer 35 anos, Violeta Lapa não sabia nadar. Informação que, aparentemente pouco relevante, é curiosa para introduzir a história de alguém que, agora, diz ter na água o “foco da sua vida”. Aos 37, Violeta organiza experiências em viagens que — tal como a sua — começam em terra e, devagarinho, vão desaguar no mar. Sempre a dançar.
Vistas de fora, as “experiências de movimento aquático” da Oceans And Flow, a empresa de turismo sustentável que criou, parecem coreografadas passo a passo. Torna-se difícil de acreditar que aquele conjunto de corpos humanos a mover-se por florestas, lagoas, cascatas, mares e oceanos não esteja a ser comandado por uma mão exterior. E é impossível assumir que os participantes “não têm de ter qualquer tipo de experiência na área da dança”. Ou “tão-pouco precisam de saber nadar”.
Precisam, sim, de “querer aprofundar a relação que têm com a água”, “gostar de viajar”, “de se preocupar com a natureza”, de estarem dispostos a “aventurarem-se”. “O objectivo é que se deixem fluir” para fora “da zona de conforto”, conclui. Tudo o resto “vem do improviso”.
A última viagem “por terra e pela água” levou 30 pessoas, de 12 nacionalidades, a explorar a ilha de São Miguel através da dança, em Setembro de 2017. Dançaram em praias desertas, desenvolvendo, através do contacto de improviso, a confiança, espontaneidade e cooperação; experimentaram mergulho livre; ioga; meditação; contactaram com animais marinhos — golfinhos incluídos. Todas as refeições são “orgânicas, vegetarianas e feitas com produtos locais”. Ao longo da semana, e em colaboração com professores e terapeutas, passam da terra “para águas onde têm pé”, depois para águas quentes e no final já se movimentam, aos pares ou sozinhos, em mar aberto.
“Quem participa nestas viagens acaba por se tornar num guardião da água”, comenta Violeta. “Nada do que fazemos é invasivo. É impossível, a partir dali, não respeitar mais o mundo aquático e o ambiente. Não repensar o nosso impacto na natureza.” Além de duas edições nos Açores, Violeta já organizou “retiros” nas ilhas Surin e Koh Chang, na Tailândia — o país onde aprendeu a nadar — e, de 8 a 15 de Outubro, vai partir com mais um grupo para a ilha de Amorgos, na Grécia (as inscrições ainda estão abertas).
Cada uma destas viagens é uma continuação da anterior. “É um percurso que estamos a fazer, aprofundando várias formas de movimento aquático.” Funcionam como “um episódio”, que pode ser visto nos minidocumentários de dez minutos realizados por Gustavo Neves, a outra metade da Oceans and Flow (estão todos disponíveis no YouTube).
Se fosse uma série de televisão, a “aventura pelas técnicas e terapias com água” de Violeta abriria com o plano de um “panfleto que anunciava um festival de dança aquática na Tailândia”. A protagonista, apesar “de a água ser o seu maior medo”, agarra-o e decide “naquele segundo que ia, sozinha, para aprender a nadar”. Recuamos 15 anos: a mesma protagonista assistia a dança aquática, com baleias, pela primeira vez. E lembra-se exactamente onde (“lembra-te sempre dos teus sonhos”, costuma dizer): no Ashes and Snow, um documentário “que retrata a harmonia entre o ser humano e a natureza”, gravado por Gregory Colbert ao longo de mais de 30 expedições.
“Aquilo nunca me deve ter saído da cabeça”, ri-se agora, em conversa com o P3, um dia depois de ter chegado de uma viagem a Malta, para onde foi percorrer trilhos aquáticos e mergulhar em grutas, na ilha de Gozo. Já consegue, em mergulho livre, atingir os dez metros. “É a mesma sensação de estares a voar”, explica, entusiasmada. Ainda este ano, foi até ao Brasil ter com Henrique Pistilli, auto-intitulado homem peixe, para aprender a fazer body surf (surf sem prancha, só com o corpo). Todas as semanas pratica apneia “na água gelada da Arrábida”, onde agora vive, depois de ter deixado o Porto.
Viaja primeiro sozinha para “fazer amizades e descobrir talentos locais”: mergulhadores, herbalistas, artistas, coreógrafos, bailarinos. E depois volta, com um plano já em mente. Na Grécia, os participantes vão ser guiados por Apostolia Papadamaki, uma das coreógrafas responsáveis “pelo primeiro espectáculo de dança subaquática”, que decorreu há três anos em frente ao templo de Poseidon, próximo de Atenas, no cabo Sounion. Em Drops of Breath palco, música, bailarinos e audiência estavam submersos do início ao fim.
No mesmo local, Apostolia Papadamaki vai promover, a convite de Violeta, um workshop de dois dias (18 e 19 de Outubro) para criar “danças na água que, na terra, seriam impossíveis”. Desta vez sem fatos e garrafas de mergulho, mas da “forma mais natural possível”.
Bastaram 20 minutos para Violeta Lapa aprender a nadar e dois anos para assumir uma “relação séria” com a água, há muito adiada. Nunca pensou “sentir-se tão confortável”. “Debaixo de água não penso em nada”, assegura, “é a forma de meditação mais profunda”. É “um desejo tornado realidade”, diz a mesma pessoa que coordenou a Terra dos Sonhos durante vários anos (uma associação que, lugar comum assumido, “faz sonhos acontecer”).
“A água e a dança podem ser uma metáfora para fluir na vida”, acredita. “A nossa forma de estar no dia-a-dia muda mesmo.” Antes, foi uma “vida sem desfrutar do poder da água” — há muito tempo para recuperar. E muito tempo (e vontade) para o fazer.