Se em Julho assistimos a uma anormal onda de calor que afectou metade do planeta, em Agosto estamos a assistir a cheias e inundações destruidoras. Chuvas torrenciais no sul de França provocaram uma repentina subida dos caudais dos rios e inundações que obrigaram à retirada de 1600 pessoas de cinco parques de campismo. Em Itália, chuvas intensas originaram uma inesperada avalanche de água nos desfiladeiros de Raganello que vitimizou 11 pessoas.
Viajemos até à Índia. As monções indianas são um fenómeno anual normal de chuvas intensas e trovoadas que ocorre geralmente de Junho a Setembro – cerca de 70% da precipitação anual da Índia concentra-se nestes quatro meses. Até aqui, tudo normal. O que é invulgar é que as monções deste ano tenham intensidade atípica e sejam consideradas as piores do século.
No estado indiano de Kerala – conhecido pelas montanhas tropicais, plantações de chá e praias de águas tranquilas - mais de 400 pessoas morreram e mais de um milhão de pessoas foram deslocadas para 3200 campos de ajuda humanitária. Outros milhares ficaram em locais elevados completamente circundados pelas inundações, sem água potável, alimentos, medicamentos, electricidade ou redes de telecomunicações.
Porquê esta intensidade incomum da chuva? Porque o ciclo da água está “avariado”. Porquê? Porque o aumento da temperatura da Terra provocado pelas emissões de gases com efeitos de estufa tem vindo a afectar as concentrações de vapor de água, as nuvens e os fluxos da chuva. As alterações climáticas estão a aumentar o risco e a ocorrência de chuvas torrenciais e ventos fortes como as que acabaram de acontecer na Índia, França, Itália ou em Chaves e Vila Real em Junho passado. O nome em inglês para este fenómeno é “water bomb” ou, em português, “bomba de água”.
Quanto mais quente está a atmosfera, mais humidade consegue acumular. Em determinados períodos o ar consegue reter quantidades tão grandes de vapor de água que depois tem de “expulsar”, daí os episódios de chuva ou neve intensa. Kerala está habituada a inundações durante as monções, mas na semana de 15 de Agosto caiu mais 250% de chuva do que o habitual. Em alguns locais a água subiu 3 a 4,5 metros de forma repentina. Mais de 80 barragens de Kerala atingiram níveis de água muito perigosos e tiveram que fazer descargas.
Mas se há cada vez mais episódios de chuvas intensas como é que as alterações climáticas também originam mais secas? Com as temperaturas mais elevadas, a evaporação aumenta, os solos ficam mais secos e quando chove intensamente a água não é absorvida pelo solo. Em vez disso é repelida, causando inundações. Passadas umas horas ou dias, a água volta aos rios e aos oceanos, no entanto os solos mantêm-se secos e doentes. Em Kerala, as desgovernadas enxurradas de água destruíram mais de 50 mil casas, 40 mil hectares de culturas, 83 mil quilómetros de estrada e 200 pontes. Uns rios transbordaram e inundaram tudo à sua volta. Outros rios atingiram caudais tão anormais que o curso natural da água foi completamente alterado, fazendo desaparecer aldeias e cidades inteiras. As chuvas intensas também desencadearam deslizamentos de terras que provocaram torrentes de água que demoliram outras aldeias e outras cidades. A Índia enfrenta uma factura devastadora de três biliões de dólares por todos estes estragos.
Em grande parte, a cura para a “avaria” do ciclo da água cabe aos governos e às suas políticas energéticas. Os cientistas dizem-nos que a queima de combustíveis fósseis é a principal causadora do aumento das temperaturas atmosféricas que, por sua vez, está a “avariar” o ciclo global da água. Então há que acelerar as reduções de gases com efeito de estufa em grande escala.
Tenho a minha fé depositada na equipa que está a desenhar o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, a cartilha que guiará Portugal na descarbonização da economia que é o mesmo que dizer na redução dos gases com efeito de estufa. Estará esta equipa à altura do desafio de descarbonizar Portugal até 2050 como prometeu o primeiro-ministro? Espero que sim! Até porque, acreditemos ou não, as decisões que tomarmos por cá vão influenciar as monções da Índia e de todo o Sudeste Asiático. Está nas nossas mãos querer ou não mudar.