Crise na ferrovia: clientes da CP “desconhecem direito a indemnizações”
As queixas contra a CP contam-se aos milhares e os números disparam nos últimos meses na sequência de atrasos e supressões de comboios e das condições das viagens. Empresa dá pouca informação sobre direitos dos passageiros a reembolsos e indemnizações.
Esta é o trabalho que lança a série de reportagens do PÚBLICO sobre o estado das principais linhas ferroviárias do país. Ao longo dos próximos dias, acompanhe o dossiê A Ver Passar Comboios.
As reclamações apresentadas à CP – Comboios de Portugal ascenderam a 25 mil, no ano passado, agregando as que foram apresentas através do Livro de Reclamações, directamente à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) e à empresa, e ainda ao Portal da Queixa e à Deco. Em 2018, e particularmente nos meses de Julho e primeira metade de Agosto, que ficaram marcados por muitos atrasos e supressões de comboios e por más condições das viagens (altas temperaturas e outros factores), as reclamações disparam no Portal da Queixa e na Deco (sobre os dados do Livro de Reclamações e da empresa, as duas entidades escusaram-se a fornecê-los ao PÚBLICO).
Desde Janeiro, o Portal da Queixa soma 277, um crescimento de 83% face a igual período do ano passado e só nos primeiros 15 dias de Agosto foram recebidas 45, o que dá uma média de três queixas por dia. No acumulado, desde o ano passado, este portal soma 865. Na Deco, as queixas apresentadas através da plataforma online Queixa dos Transportes e ou directamente à associação, já ascende a mais de uma centena de Janeiro a 12 de Agosto deste ano.
Da análise das reclamações apresentadas no ano passado ao Livro de Reclamações relativas à CP, 3856 no total, é possível verificar que os pedidos de reembolsos estão a aumentar, representando a segunda maior queixa no segundo semestre. Neste período, o total de pedidos atingiu 13% das 2441 queixas.
Nos primeiros seis meses de 2017 foi o terceiro motivo de queixa, representando 11,2% do total e em crescimento face ao segundo trimestre de 2016.
As recebidas na CP e que esta comunica ao regulador ascenderam a cerca de 20 mil, no conjunto do ano, mas neste caso não há um tratamento detalhado por matéria reclamada.
“Os utentes estão a apresentar mais queixas, incluindo sobre as condições das viagens (como limpeza e temperatura dentro das carruagens e estações), apesar de a maioria desconhecer os seus direitos, nomeadamente em relação a reembolsos e indemnizações por supressão e atrasos de comboios”, explicou ao PÚBLICO Tânia Neves, jurista da Deco.
Esta responsável diz não ter dúvidas que se a empresa prestasse essa informação aos utentes, nas estações, quando há atrasos ou supressões, no acto de compra dos bilhetes, no interior dos comboios quando há paragens na circulação e no seu site, e noutros meios, “o número deste tipo de pedidos seria bem mais elevado”.
Paradigmático da falta de informação é o que se vai observando nos horários dos comboios em estações regionais e apeadeiros (estações secundárias onde não páram todos os comboios e onde não há serviço de apoio). E Tânia Neves dá o exemplo do apeadeiro Conceição, em Cabanas de Tavira, no Algarve, onde a Deco constatou há poucos dias que só estão afixados os horários do Alfa e do Intercidades, precisamente o tipo de comboios que não pára neste tipo de estações. Informação sobre os preços também não. “Os turistas ficam perplexos”, destaca esta jurista, que considera particularmente graves os atrasos e supressões registados este Verão nas linhas do Algarve, que é a época em que muitas pessoas têm trabalho e estão dependentes deste tipo de transporte para se deslocarem.
As alterações temporárias de horários, os atrasos e as supressões, e suspensões da venda de bilhetes nas últimas semanas, para reduzir o número de passageiros e assim minorar o efeito das altas temperaturas, é desvalorizado pelo Governo e pela empresa.
Em comunicado divulgado na última semana, o Governo dá conta de que “os dados preliminares das duas primeiras semanas de Agosto deste ano apontam para que a circulação de comboios da CP tenha atingido novamente uma taxa de regularidade acima dos 99%, o que representa uma recuperação para os níveis históricos da empresa”. E acrescenta aquela taxa de regularidade “abrange um período (4 a 6 de Agosto), em que a circulação de comboios foi afectada pelo calor extremo e que obrigou a IP e a CP a determinarem algumas restrições e condicionamentos”.
Destaca ainda que “durante o primeiro semestre de 2018, a taxa média de regularidade foi de 97,2%, tendo o mês de Junho sido aquele com o pior desempenho (91,4%), mesmo assim acima da taxa média verificada, por exemplo, em Abril de 2015”.
Atenção aos direitos “escondidos” e prazos
A Deco apela aos consumidores para formalizem as suas queixas, como forma de obrigar a empresa a ser mais eficiente e a respeitar os direitos dos clientes, lamentando a falta de informação sobre atrasos e supressões prestada nas estações, e que está incompleta no site da empresa. Esse direito está regulado no decreto-lei 35/2005, 6 de Março, que altera um decreto anterior, e pode ser consultado no site da AMT, em legislação (mas não em versão consolidada, como seria útil para o consumidor), e ainda no regulamento nº 1371 -2007, tendo de ser exercido no prazo de 30 dias.
Salvaguardando desde já alguma incorrecção, dada a dispersão da informação, está em causa o direito a reembolso do preço do título de transporte pago se, por razões imputáveis ao operador, o atraso à partida (início da viagem) exceder trinta minutos em viagens com duração inferior a uma hora ou exceder sessenta minutos em viagens com duração igual ou superior a uma hora. Este reembolso não ocorre se o passageiro, apesar do atraso, embarcar e se der início à viagem, ou se o valor for igual ou inferior a quatro euros, ou ainda se houve compra de bilhete depois da informação de atraso.
Há direito a indemnização do preço do bilhete em caso de atraso durante a viagem, ou seja quando se verifique atraso entre o local de partida (depois da partida) e de chegada. A indemnização é 25% para atrasos entre 60 e 119 minutos e de 50% nos atrasos iguais ou superiores a 120 minutos.
O passageiro tem ainda direito a indemnização por outros danos, que terá de comprovar, e que resultem da supressão de serviços regionais superiores a 50 km ou de serviços de longo curso, no montante do valor do prejuízo provado, tendo este como limite o correspondente a 100 vezes o valor do preço pago pelo título de transporte, sujeito ao limite máximo de 250 euros.
Tratando-se de serviços urbanos, suburbanos e regionais até 50 km, a indemnização tem como limite até 25 vezes o valor do título pago.
Na supressão temporária de serviços, em todo ou em parte do percurso, a CP é obrigada, entre outras possibilidades, a fazer seguir o passageiro e a sua bagagem por outro comboio que sirva a sua estação de destino. Nos casos em que tal não se mostre viável, em tempo útil, o operador, sempre que possível, obriga -se a disponibilizar ao passageiro, sem qualquer acréscimo de preço, outros modos de transporte que lhe permitam completar a viagem. Também aqui pode haver direito a indemnização, bem como nos atrasos na entrega de bagagem, automóveis e outros materiais.