Investida contra a empresa que gere a ponte Morandi testa solidez do Governo populista
Di Maio quer revogação imediata das concessões à Autostrade per l'Italia, mas a Liga preferia abordagem menos drástica. Tragédia em Génova traz ainda a lume posições divergentes sobre política de infra-estruturas.
Ao fim de pouco mais de dois meses de coabitação, as duas forças populistas que compõem o Governo italiano dão os primeiros sinais de desunião. Em causa está a estratégia para o apuramento de responsabilidades pela queda de parte da ponte Morandi, em Génova. A insistência de Luigi Di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas (M5S), em avançar para a revogação da concessão das auto-estradas do país à Autostrade per l'Italia não agrada à Liga, de Matteo Salvini, que concorda com o plano mas favorece uma solução mais cautelosa. Ainda assim, o Governo anunciou esta sexta-feira que vai avançar com a revogação.
A preferência do partido de extrema-direita por uma posição menos disruptiva para com a empresa controlada pelo grupo Atlantia, da família Bennetton, está relacionada com os elevados custos que irá acarretar. Para além da indemnização avultada que o Estado terá de pagar à Autostrade, acrescem os custos da possibilidade da gestão pública de todas as auto-estradas de Itália, sugerida por Di Maio.
Nesse sentido, no seio da Liga entende-se que, enquanto se aguardam os resultados das investigações à queda da ponte – que fez pelo menos 38 mortes, embora estejam ainda desaparecidas entre 10 a 20 pessoas –? a aplicação de uma multa ou a mera revogação da concessão da A10 seriam soluções menos prejudiciais para os cofres do Estado.
Terá sido movido por esta preferência por uma decisão menos radical que Salvini, mesmo garantindo haver “total harmonia no Governo” e depois de ter procurado assacar responsabilidades à União Europeia pela queda da ponte – falou na imposição de constrangimentos financeiros – preferiu focar-se noutro tipo de exigências a fazer à empresa.
“Da Autostrade pretendemos obter fundos e apoios imediatos para ajudar os familiares das vítimas, os feridos, os 600 deslocados e toda a comunidade de Génova. De tudo o resto, falaremos mais tarde”, afiançou o vice-primeiro-ministro e ministro do Interior, citado pelo jornal Repubblica.
"Por cima do meu cadáver"
Quem não abdica da revogação urgente das concessões à Autostrade é Di Maio, que na quinta-feira deixou um aviso para dentro do Governo: “Quem não quiser revogar as licenças terá de passar por cima do meu cadáver”.
Já esta sexta-feira recorreu às redes sociais para voltar a alertar os descrentes. “Digo isto claramente, há uma vontade política definida: queremos revogar a concessão à Autostrade per l'Italia”, escreveu no Facebook. “Não podemos continuar a fingir que não aconteceu nada. Estas pessoas continuam a cobrar portagens sem realizar trabalhos ordinários e extraordinários de manutenção e chegou a altura de dizer basta!”, insistiu.
As repercussões políticas da tragédia de Génova para o Governo podem não ficar por aqui, já que as suspeitas de que a constante sobrelotação da ponte Morandi poderá estar na origem do seu colapso reavivaram o debate sobre a escassez de acessos entre o Norte de Itália e o Sul de França. Uma discussão em que M5S e Liga assumem posturas opostas e que regressa agora para os assombrar.
Argumentando razões financeiras e ambientais, o M5S tem estado na fila da frente na oposição ao avanço de dois megaprojectos propostos para diversificar os acessos na região e reduzir o tráfego na ponte: uma auto-estrada em volta de Génova (no valor de 3000 milhões de euros) e um túnel ferroviário sob os Alpes, ligando Turim e Lyon (dez mil milhões de euros). Já a Liga – que tem apoios de empresas e indústrias do Norte de Itália – tem defendido com unhas e dentes os benefícios destes projectos e lutado por eles nas assembleias e governos regionais.
“As diferenças na forma como os partidos estão a responder à tragédia de Génova enfatiza divisões profundas que ambos estão a tentar esconder”, defende o professor de Gestão da Universidade Bocconi de Milão Carlos Maffe, citado pela Bloomberg.
Funeral de Estado
Quem não está agradado com a forma como o Governo populista tem gerido o processo são as famílias das vítimas. Segundo os media italianos, mais de metade dos parentes dos que perderam a vida rejeitaram a oferta do funeral de Estado, agendado para este sábado. Estes familiares criticam a “vergonhosa parada de políticos” dos últimos dias e não querem que os defuntos sejam usados “como ferramentas” em “cerimónias de farsa”, relata a BBC.
A circulação nas redes sociais de fotografias de Salvini a divertir-se numa festa da Liga, horas após a queda da ponte Morandi, foi o último de uma série de episódios pouco abonatórios para o Governo, que os genoveses não parecem dispostos a perdoar.