Grupo de lisboetas teme "higienização social" em Santa Catarina

Proposta de colocar vedação no miradouro é contestada por grupo que está a organizar acções de protesto. Moradores e hotel apontam o tráfico de droga como problema grave.

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O Miradouro de Santa Catarina está vedado desde o fim de Julho daniel rocha

Para já é um gradeamento verde, ali colocado há menos de um mês, e recentemente coberto com uns cartazes que explicam as obras que aí vêm. No futuro será uma vedação permanente, à volta de todo o Miradouro de Santa Catarina, possibilitando o seu encerramento ao público. A câmara municipal diz que a estrutura permitirá “estabelecer momentos de descanso para o miradouro, que facilitem a sua manutenção”, mas um grupo de lisboetas afirma que o único propósito da vedação é fazer uma “higienização social do espaço”.

“Que uma iniciativa de higiene urbana não se transforme numa iniciativa de higiene social”, diz Pedro Schacht, criador do grupo de Facebook “Make Adamastor Public Again”, através do qual quer pressionar a autarquia a fazer “uma consulta pública e um debate alargado” sobre as obras previstas. Em menos de uma semana, o grupo ganhou centenas de seguidores e agora estão a estudar-se as formas mais eficazes de protestar contra a vedação do miradouro.

As obras naquele local foram anunciadas no fim de Julho pelo vice-presidente da câmara, Duarte Cordeiro. Logo no dia seguinte o miradouro foi vedado, mas desde então não começou qualquer trabalho. O vereador explicou, na altura, que as obras visam recuperar o espaço verde e o espaço público e que, face à quantidade de pessoas que o miradouro atrai, é necessário pôr uma vedação que permita encerrá-lo.

“É um espaço com uma carga excessiva, que depois torna muito difícil a manutenção”, disse Duarte Cordeiro. “É um espaço público e continuará a ser um espaço público. Há muitos espaços públicos da cidade que têm a possibilidade de serem encerrados, como o jardim da Estrela, o de Santos e muitos outros”, afirmou.

Pedro Schacht, secundado pelos membros do grupo que criou, consideram que esta é apenas uma forma de afastar um determinado público daquele sítio. “O espaço sempre foi frequentado por um espectro diversificado de pessoas. Eu lembro-me de ver executivos de fato e gravata que iam tomar um copo ao fim do dia, rastafáris que iam tocar tambores, até o ti Joaquim e a ti Maria lá vão. E é muito claro que eles não se sentem inseguros com essa diversidade”, argumenta. “Mesmo que a câmara avance com obras, queremos ter garantias de que o espaço seja devolvido ao público, a todos, independentemente da raça ou credo.”

Frequentador do miradouro “há mais de 20 anos”, este lisboeta associa as obras à abertura de um hotel de cinco estrelas mesmo ao lado. “Era uma questão de tempo”, diz, até haver uma tentativa de “higienização social do espaço.”

Paula Marques, directora do hotel Verride Palácio de Santa Catarina, diz que o tráfico de droga é o que mais a preocupa, mas que o miradouro até nem é o pior sítio. “O problema são os traficantes aqui em volta. Ao longo da rua, com os clientes a virem para o hotel, são abordados esquina sim, esquina sim por traficantes. Não acho que a segurança seja uma questão, o problema é mesmo a abordagem insistente. Não é uma vez, são várias vezes”, relata.

O estabelecimento tomou algumas medidas. “Fizemos o licenciamento de uma esplanada em frente ao hotel para tentar afastar os traficantes”, explica Paula Marques. E “Contactámos a câmara e a junta no sentido de resolver o problema de tráfico de droga”, diz a gestora hoteleira.

A câmara “informou o hotel do plano” para o miradouro e, desde que foi colocado o gradeamento, “deixaram de estar aqui tantos traficantes”, nota a directora do Verride, mas “há todo um conjunto de medidas” necessárias e com as quais a autarquia já se comprometeu. O vereador Duarte Cordeiro já tinha dito ao PÚBLICO que “o miradouro é apenas uma parte da questão” e que está prevista a introdução de videovigilância e um reforço da higiene urbana em toda a zona de Santa Catarina.

Para Nuno Santos, da Associação A Voz do Bairro, que representa moradores e comerciantes, “o ambiente que se criou ali é difícil de controlar” e, por isso, urge fazer qualquer coisa. “Já vi mapas de Lisboa em que identificavam o miradouro com uma folha de canábis. Até tendas lá vi montadas, com a Polícia Municipal a ir lá de manhã tirá-las”, diz.

Sublinhando que ainda não viu o projecto da câmara, Nuno Santos diz que a vedação pode ter o efeito de o espaço “passar a ser regrado”, coisa que hoje diz não acontecer. “O Jardim da Estrela também é vedado. Não pode lá entrar à noite”, exemplifica.

“O tráfico de droga ocorre em praticamente todas as esquinas da Baixa e do Cais do Sodré e não é por isso que esses sítios são vedados ao público”, argumenta Pedro Schacht. Para as próximas semanas estão já prometidas algumas acções de protesto, ainda em definição.

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