Os próximos quatro anos serão “anormalmente quentes”
Um novo sistema de previsões antecipa que nos próximos dois anos há uma probabilidade de mais de 60% de que a atmosfera e o oceano vão aquecer de forma anormal.
Este ano, o calor extremo apoderou-se do Verão um pouco por todo o mundo. Em Portugal, sentimo-lo sobretudo no início de Agosto e a temperatura do ar em Lisboa atingiu mesmo o valor mais elevado desde que há registo: 44 graus Celsius. Os próximos anos serão assim? Num artigo científico na última edição da revista Nature Communications, dois cientistas anunciam que criaram um novo sistema de previsões para a temperatura da superfície do oceano e da atmosfera e avisam: os próximos quatro anos serão “anormalmente quentes”.
“Num clima em mudança, há uma procura cada vez maior da sociedade por previsões interanuais com precisão e fiabilidade”, escrevem no artigo Florian Sévellec e Sybren Drijfhout. Por isso, estes cientistas da Universidade de Southampton, no Reino Unido, decidiram criar um novo sistema de previsões chamado Procast (de PRObabilistic foreCAST) para saber qual é a probabilidade de a temperatura média global da superfície do oceano e da atmosfera aumentar em períodos interanuais. “Sendo o método probabilístico por essência, o que prevemos não é um valor esperado, mas a probabilidade de um intervalo de valores”, frisa Florian Sévellec, também do Laboratório de Oceanografia Física e Espacial, do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS), em França.
Para desenvolver este sistema de modelação, os cientistas basearam-se num método muito comum na matemática aplicada, o operador de transferência – método de análise estatística que racionaliza o comportamento caótico de um sistema. Ao longo do estudo, usaram sempre um computador portátil. “Usámo-lo tanto para testar o sistema como para realizar previsões. O sistema é testado com dados que estão disponíveis gratuitamente na Internet, mas que foram obtidos por supercomputadores”, explica Florian Sévellec. O teste foi feito para todos os anos desde 1880 até ao presente. Desta forma, fez-se uma retrospectiva sobre as previsões do passado.
E quanto às projecções futuras? “A nossa principal conclusão é que os próximos anos – de 2018 a 2022 – serão anormalmente quentes, ainda mais quentes do que o esperado só com o actual aquecimento global”, indica Florian Sévellec. “Mostramos que ao longo dos próximos dois anos há uma probabilidade de 64% para a atmosfera e de 74% para o oceano para que fiquem anormalmente quentes.”
O cientista explica ainda que previram uma variabilidade “natural” do clima. Enquanto a variabilidade natural é uma variação ocasional dos padrões meteorológicos de um ano para o outro, o aquecimento global é mais lento e há uma mudança constante da temperatura média ao longo de décadas. “Mostramos [ainda] que esta variabilidade natural será reforçada pelo actual aquecimento global nos próximos anos”, frisa, indicando que entre 1998 e 2007 houve uma combinação da variabilidade natural e das alterações climáticas. Um exemplo disso foi a combinação do El Niño de 1998 – fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal – com o aquecimento global, produzindo então um ano muito quente.
Florian Sévellec faz questão de reforçar que os próximos anos serão “anormalmente quentes” devido aquecimento global causado por emissões de gases com efeito de estufa, por exemplo. Num comunicado do CNRS acrescenta-se também que se prevêem anos muito quentes porque há uma baixa probabilidade de episódios de frio intenso. “O fenómeno é ainda mais proeminente relativamente às temperaturas da superfície do mar, devido à elevada probabilidade de episódios de calor, os quais, na presença de certas condições, podem causar o aumento da actividade de tempestades tropicais”, frisa-se.
Em preparação: previsões regionais
Para Florian Sévellec, o novo sistema tem três grandes vantagens: é rápido, preciso e fiável. “É tão eficiente numericamente que pode fazer previsões num computador portátil em poucos centésimos de segundo.”
Por enquanto, o Procast ainda não faz previsões regionais. Mas esta é uma das ambições dos dois cientistas para um futuro próximo, até para que se torne “mais relevante para a comunidade”. Também querem ajustar o sistema a previsões da precipitação ou de seca.
Outro dos grandes desejos para o futuro é que toda a comunidade científica ou qualquer cidadão possa fazer projecções com este sistema através de um computador portátil ou, até mesmo, com um telemóvel. “[O sistema] podia ser simplesmente instalado numa página na Internet. Mas ainda não sabemos quando será possível”, refere Florian Sévellec. Agora estão é mais concentrados em desenvolver uma versão regional do Procast.